"A vida vem em ondas, como um mar..."
sábado, 31 de dezembro de 2011
o filme
"Mãe e filha", segundo longa do cineasta cearense Petrus Cariry,
foi o melhor filme que assisti em 2011. Ainda não lançado no circuito
comercial, o belo trabalho foi apresentado em vários festivais nacionais
e internacionais, ganhando merecidos prêmios em diversas categorias.
Petrus é de uma geração de cineastas ousados, que não fazem concessões e
vão na contramão da mesmice, como Erik Rocha, Cláudio Assis, Karim
Aïnouz... Mas, sem desmerecer de forma alguma o talento desses e de
outros poucos, Petrus é o mais autêntico. Sempre digo que ele não faz
filmes: faz Cinema.
Algumas observações do Olhar
o disco
“Que isso fique entre nós”, do paulista Robson Pélico,
ou somente Pélico, foi o melhor disco de 2011. Inquietou-me e me
confortou com suas letras certeiras, sua musicalidade longe da mesmice
"pop”. Ele tem outro cd, de 2008, “O último dia de um homem sem juízo",
mais guitarra, mais gritante. Mas esse segundo é O disco.
Pélico é um Luspicínio redivivo, um Roberto meio bossa-nova, meio rock-and-roll.
Pélico vai direto nos corações sofridos, nas relações findas, e não se
desespera: fotografa com sua voz grave e ao mesmo tempo delicada o que
às vezes escondemos, o que nem sempre relevamos, e ele nos revela com
sua enorme gratidão poética.
Em 2012 ele precisa se estender
mais em shows além da "cena paulista". Aguardo, aguardamos você, Pélico,
Brasil a fora! Que isso não fique só entre nós.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
você ainda é uma garotinha
Era tarde de um sábado de dezembro, há dez anos. Cheguei em casa e encontrei Cris
chorando diante da tv acompanhando a notícia sobre Cássia Eller. E não
acreditei, ou não quis acreditar, como sempre acontece quando nos
deparamos com a morte de um artista. Como a arte é eterna, queremos
sempre nos iludir que seus criadores sejam igualmente para sempre.
Quando vim morar
em Brasília, já conhecia e gostava da música da Cássia, mas confesso
que realmente passei a ouvir e gostar da Cássia junto juntinho com Cris,
ainda no vinilzão , o que tem “Por enquanto”, do Renato Russo, em que
ela está chutando lata na contracapa, e nos tempos dos shows soltos e
aconchegantes do Bom Demais, na 706 Norte.
Valeu, Cássia, pela sua música! Você ainda é uma garotinha.
Valeu, Cris, por ser minha musa! Você continua minha garotinha.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
então foi Natal
Passei
esses dias natalinos no interior de Minas, no sertão verde roseano. Não
tão "sem rádio sem notícia das terras civilizadas": de algum lugar
vinha o mantra da Simone lembrando "então é Natal"...
Em 1995 a
cantora Simone gravou um cd com doze faixas só com temas natalinos. É
um disco cheio de versões de clássicos como o de Irving Berlin, "White
Christmas" e "Silent Nights" de F.
Gruber, respectivamente "Natal branco" e "Noite feliz", além do "Jesus
Cristo" de Roberto Carlos e "Boas Festas", do grande Assis Valente.
Mas o que ficaria mesmo marcado é a terrível versão de "Happy xamas/Was
is over", de John Lennon e sua Yoko Ono, feita por Cláudio Rabello, por
aqui intitulado "Então é Natal". Todos conhecem. Trilha sonora de
shopping e principalmente de supermercados enquanto se escolhe o peru
mais em conta pra ceia.
Essa música não para de tocar. O disco vendeu mais de um milhão de cópias, e garanto que não contribuí pra essa cifra.
A música do ex-beatle é sobre a guerra do Vietnã, e usa o Natal como
uma representação de final de ano, quando todos se mostram alegres e
cordatos (o "espírito natalino"!), mas, na verdade, fica a pergunta que
não quer calar: "And what have you done?". Pensa-se no aspecto
comercial, no religioso, mas não na essência da mensagem de resistência
pacífica daquele Cristianismo com o qual John, mesmo sendo ateu, se
identificava. Versões como essa "Então é Natal", pela falta de
conhecimento da língua inglesa e até mesmo por falta de talento, é um
verdadeiro esquartejamento poético das obras.
E essa versão "simonética" já roda há tantos natais que eu achava que fosse bem antes de 1995.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
o inventor de palavras
Tenho
uma dificuldade enorme de escrever poemas dedicados à pessoas,
locais, acontecimentos, datas - que dirá "poemas encomendados"... É o que diz o Drummond, em seu claríssimo "Procura da poesia".
Às vezes me descuido e cometo alguns versos em devotamento, em
consagração. Na verdade, me desculpo justificando o afeto em que se
encerra às pessoas queridas.
Hoje é aniversário do poeta Manoel de Barros, 95 anos. Assim como
Drumond, Bandeira, Gullar, Pessoa, Whitman, Régio, Cecília, Quintana... devo
muito a ele, pela poesia que me invade a vida. Esse poeta, nascido à
beira do rio Corumbá, sabe como pouquíssimos reinventar as palavras, dar
significado tão profundo às insignificâncias do dia a dia. Seus livros
devem estar sempre ali, ao alcance da mão, para uma releitura, como
primeiros socorros quando nos perdemos em devaneios desnecessários no
nosso cotidiano.
O cineasta Pedro Cezar fez um belíssimo
documentário, "Só dez por cento é mentira", lançado ano passado, onde
encontramos uma espécie de "biografia inventada" do poeta matogrossense.
O "inventada" é mais uma das saudáveis brincadeiras do poeta com as
palavras. O filme é narrado com depoimentos de leitores, familiares,
leitura de poemas, e conversas do próprio poeta, o que nos deixa mais
cativados pela grandeza em sua simplicidade.
Então, como às
vezes me descuido e cometo versos declarando-me a quem amo, eis aqui o
que escrevi ao Manoel, há alguns anos, e coloquei no meu livro "Poesia
provisória".
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Seu Luiz é pop
foto Arquivo NV
Hoje
Luiz Gonzaga faria 99 anos. Os cadernos cês dos jornais
estão tecendo homenagens, chamando-o de “pop”. Pop de popular, ou seja
lá o que isso signifique, o velho Lua sempre foi um dos meus ídolos.
Não cresci ouvindo João Gilberto, Chet Baker e Leonard Cohen,
santíssima trindade, entre tantas outras, que
venero e escuto quase diariamente. Cresci ouvindo Gonzagão, Roberto
Carlos, Reginaldo Rossi... e até mesmo antes dos Beatles, as versões
enviesadas de Renato e Seus Blues Caps. Eu fui Jovem Guarda: Tropicália
depois. Eu ouvia Cego Aderaldo: Robert Johnson, Muddy Waters, John Lee
Hooker tiveram que esperar a rabeca terminar o ronco no meu sertão.
Esses músicos igualmente ótimos, a gente conhece depois, quando se sai
dos bairros periféricos, vai-se morar num apartamentozinho melhor e
passa-se no vestibular. Por um tempo sentia-se vergonha de
gostar de baião, cantar “Detalhes” pra amada amante, e de ouvido
pegava-se carona no radinho da empregada dizendo pro garçon que “no bar
todo mundo é igual”... Eu nunca dei a mínima pra isso, nunca me
importei com o que achavam ou perdiam. Assumia meus erros, pecados e
vícios.
Uma vez um amigo, nos final dos anos 70, apertou o play do
meu toca-fitas CCE e ao ouvir o Rei cantando “Cavalgada” passou o resto
da tarde curtindo com a minha cara. Mandei-o embora cantar “Amor de
índio”, do Beto Guedes, que ele achava o máximo – e eu também.
Luiz
"Lua" Gonzaga sempre foi ídolo a altura de todos outros que hoje são
"cult”. A primeira vez que assisti a um show do Gonzagão me emocionei
tanto quanto ao ver e ouvir B. B. King. Entre o Rio São Francisco e o Rio
Mississipi a distância é a mesma em que navega meu coração.
A benção, seu Luiz!
a luz dos olhos teus
foto Arquivo Pessoal
Hoje é dia de Santa Luzia. A
imagem dessa Santa é uma das mais fortes lembranças da minha infância,
em Crateús, interior do Ceará, onde nasci e fui criado.
Minha tia era
devota e na parede do quarto onde eu dormia, era a primeira imagem que
via ao acordar: batia um facho de luz que vinha
de alguma telha quebrada. Nada mais sintomático: a jovem santa
siciliana é protetora dos olhos, da visão, da luz.
A minha impressão
era que a Santa me abençoava a manhã, com a oferenda do par de olhos na
bandeja.
Casa desfeita, parentes idos, herdei esse quadro e a
saudade. Coloquei-o na cenografia dos meus dois primeiros
curtas-metragens. Afinal, cinema precisa de luz.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
a estética da cosmética
"A
prisão estética em que o jornalismo da Globo está envolvido é tão
grande, que eu não vejo forma alguma de fazer um trabalho bem feito: não
há condição, porque há um problema não só político, é um problema
estético. Isso eu acho uma coisa grave. Quero dizer que a censura
estética é mais grave do que a censura política, e é terrível que as
pessoas não se apercebam disso!"
Cineasta Eduardo Coutinho, em entrevista em 2003, atualissimo nestes tempos de "viuvez" de Fátima Bernardes.
Coutinho, juntamente com outros cineastas, João Batista de Andrade e
Paulo Gil Soares, dirigiram de 1975 a 1984, programas para o Globo
Repórter. As imagens eram captadas em 16mm, tinham uma linguagem muito
própria do cinema e uma surpreendente liberdade editorial.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
na trilha de Nino
Video enviado pelo artista plástico e cartunista João Alberto Lupin para minha página no Facebook. O conterrâneo Lupin sempre me "provoca" com essas ótimas postagens de cinema.
Nino Rotta é um dos meus preferidos
compositores de trilha sonora para cinema. Ele traduziu muito bem em
música as imagens de Visconti, Monicelli, Coppola, Dmytryk,
Zeffirelli... mas foi com Federico Fellini que ele fez a mais perfeita tradução.
É
dificil assistir Fellini sem Nino Rotta. Como ouvir Nino Rotta dá
vontade de ver Fellini.
Aqui trechos de temas dos filmes "A estrada da vida", "Amarcord", "Os palhaços", "Oito e meio", de Fellini, e "O poderoso chefão", de Coppola, executados com arranjos do jovem maestro Roberto Molinelli, numa apresentação no Teatro Manzoni, Bologna, Itália, ano passado.
Valeu Lupin! Valeu Nino!
domingo, 4 de dezembro de 2011
doutor futebol
Nunca
fui ligado em futebol. Não entendo nada de futebol. Sou um torcedor
bissexto: de quatro em quatro anos me entusiasmo um pouco pra assistir
aos jogos da seleção brasileira no campeonato mundial.
Mas tenho
admiração enorme por alguns jogadores: Garrincha, Tostão e Sócrates. O
dr. Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira se foi hoje
para outros campeonatos.
sábado, 3 de dezembro de 2011
o futuro em flashback
"Hiroshima,
mon amour", Alain Resnais inovando o cinema em 1959, em direção ao
futuro no mais perfeito uso narrativo de flashbacks.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
o "lobinho" Keith
O
baixista Keith Richards, quem diria, foi escoteiro. E gostava. Em seus
relatos de sexo, drogas e rolling stones, na autobiografia "Vida", ele
diz que foi uma das melhores coisas que lhe aconteceu quando criança,
no começo dos anos 50, e se tornou membro de uma tal Patrulha do Castor
da Sétima Tropa de Escoteiros. Leu todos os livros de Robert
Baden-Powell, o tenente-coronel do
exército britânico fundador do escotismo, e para o músico era importante
a disciplina para aprender as habilidades de sobrevivência. Keith tinha
até uma barraca no quintal, onde passava horas comendo batata crua,
como "dever de casa".
Certa noite, muitas pedras roladas
depois, já definitivamente um "bad old man", estava sozinho num quarto
de hotel em turnê dos Stones, e assistia pela televisão uma cerimônia
sobre o 100º aniversário do Movimento Escoteiro. Automaticamente, atento
e respeitoso, perfilou-se diante da tv, e com os três dedos na testa
fez a saudação oficial dos escoteiros: "Líder da Patrulha do Castor,
Sétima Tropa de Dardford, senhor!"
Ele achava que deveria se apresentar.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
fale com ele
A atriz Elena Anaya e Pedro Almódovar. Foto El Deseo S.A
“A pele que habito” (La piel que
habito), de Pedro Almodóvar, é um filme inquietante, bem realizado, mas o menos
Almodóvar do grande cineasta espanhol. Onde estão as cores de Almodóvar? Onde está o temperamento exuberante, o clima
viçoso, o vigor e a pulsação que tanto marcam e traçam seus personagens?
A construção de imagens e
narrativa frias, a ambientação clean,
tudo é condizente, fiel e exato com a história de um personagem, um cirurgião
plástico, que busca a perfeição da imagem e grafismo do corpo humano, e como um
Moderno Prometeu, um Victor Frankenstein high
tech, ou uma releitura de Mary Shelley com “o médico e a
bela que era o belo”, usa suas habilidades como um princípio supremo para atender
e saciar algo extremamente pessoal, um sentimento de vingança. Até aí, tudo
bem. É um roteiro, é uma boa trama, é um filme que já se viu – inclusive. Um
filme interessante que poderia ser assinado por um desses bem pagos cineastas
de estúdio que dirigiu Antonio Banderas em seu “exílio” hollywoodiano.
Banderas não filmava com Almodóvar desde “Ata-me”, de 1990, e volta justamente em
um filme delineado como um melodrama gélido, que mantém a mais remota distância
de “Tudo sobre minha mãe”, “Fale com ela”,
“Volver”...
É difícil não apontar referências
da autenticidade de um artista como Almodóvar, que sabe tão bem ir do
drama ao riso, do chique ao kitsch,
sem perder o tom, o escárnio e a poesia. Eu não consigo aceitar essa “subversão”
do cineasta com sua filmografia tão genuína e legítima com os temas que aborda.
As relações de poder (dominação sádica), as mutações sexuais (ela é ele),
as perversões (submissão masoquista), são proposições nessa nova película
que Almodóvar habita. Mas aqui ele não se reinventa: se ausenta. A cena final
ilustra bem isso. A mãe desconhece o filho Vicente no corpo de Vera, e não fala
com ele.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
terça-feira, 22 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
e o palhaço, o que é?
A primeira lembrança que se pode
ter ao assistir o filme O palhaço, de Selton Mello, é justamente Os palhaços,
que Federico Fellini realizou em 1970. Mas a citação, por analogia ou
semelhança, para por aí. O diretor italiano fez então um quase documentário,
originalmente para a televisão, indo pelo mundo com sua equipe atrás dos
palhaços do passado, dos clowns que
lhe marcaram.
Selton Mello diz que se inspirou
no personagem de Renato Aragão, o trapalhão Didi Mocó, para escrever o roteiro
do seu segundo longa-metragem. Pode ser um ponto de partida pessoal, mas as
referências desse belo filme são muitos personagens clowns que o cinema versou, de Buster Keaton a Jacques Tati,
passando, claro, pelo Carlitos de Charles Chaplin, como menção primitiva, e até
mesmo conceitual. A modelagem do personagem concebido por Selton Mello se faz,
na verdade, do que caracterizou a alma que o genial Chaplin dissecou em sua
mais conhecida criação: a solidão do palhaço. A solidão que humaniza, a desesperança
que questiona, a tristeza que não mata – nem morre. No filme em comentário,
podemos encontrar um pouco de cada um desses clowns que o cinema, ao longo da sua história e matinês, guardou em
nossa memória afetiva. E com todas essas prováveis alusões, magnificamente o palhaço
Pangaré de Selton Mello, tem vida própria, tem sua solidão pessoal e
intransferível.
Na história, um circo mambembe –
não à toa chamado Esperança – caminha atrás de sua platéia pelo interior do
Brasil, mais exatamente pelo sertão roseano de Minas Gerais. A paisagem é
atemporal e em cada cidadezinha, o circo levanta sua lona e repete as mesmas
piadas nos espetáculos, trazendo o riso, o encantamento e os trocados dos
moradores. Estão lá alguns dos elementos que compõem um grupo teatral volante
em condições precárias: o anão, a mulher gorda, os músicos desafinados, os
mágicos fajutos, a bailarina sedutora... e, claro, o palhaço, no caso, dois.
Paulo José, na pele, ou maquiagem, do palhaço Puro Sangue, mantém uma química
contínua como pai de Pangaré. E Pangaré é o triste Benjamin. E o filme é
Benjamin. Os enquadramentos estáticos do
personagem, a demora necessária de planos no rosto abatido de Benjamin, é o
melhor da pulsação narrativa que o diretor imprimiu ao seu trabalho. A razão do filme está justamente nesses
momentos. A alma do filme está nesses enquadramentos. “O palhaço” tem uma
concepção minimalista. E, por essência, cada gesto, cada extensão de silêncio,
se define na imagem. E se há a palavra, ela faz parte do silêncio que a imagem
apresenta.
A trilha sonora remete a alguns
clássicos do neorrealismo. A fotografia de uma beleza crua e ao mesmo tempo
poética, ilumina uma paisagem rural e humana que lembra as andanças de trupes
na geografia sérvia. As atuações
especiais de Moacir Franco, Jorge Loredo, Tonico Pereira e o comediante Ferrugem, respectivamente como
o delegado, o contador de piadas, o mecânico e o funcionário do cartório, dão ao filme o brilho que o
diretor soube muito bem pontuar.
Selton Mello estreou em 2008 em longa
com Feliz Natal, um filme denso e de direção segura. E agora reforça sua
sensibilidade, e, sobretudo, sua personalidade como diretor.
Um filme singular na recente
safra do cinema brasileiro. É isso o que “O palhaço” é.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
evoé, jovem artista!
Criolo
é um dos grandes talentos do rap paulista. Seu segundo disco, "Nó na
orelha", lançado este ano, merece ser ouvido com atenção. As letras
discursivas que caracteriza o gênero, com suas inquietações e denúncia
social, têm poesia e bons arranjos seguindo o canto.
O rapper de 35 anos compôs uma ótima versão de "Cálice", de Chico Buarque, e está na internet.
Dá pra notar a emoção do rapaz. Mais emocionante foi ele ver o próprio
Chico homenageá-lo cantando trechos da versão, citando-o em seu show em
Belo Horizonte.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
o nome do cinema
Este ano o cineasta norte-americano Nicholas Ray bateria a claquete de
um século de existência. Dos vinte longas que dirigiu todos têm o que se
pode chamar de humanismo ardente em seus personagens, principalmente
quando retrata períodos marcantes, como foi em "Juventude transviada",
de 1955, que projetou para o mundo o símbolo de uma época: James Dean.
Diferente da maneira operística dos belos westerns de John Ford, Ray caminhou pelo velho oeste ousando na narrativa não-linear, como em "Quem foi Jesse James" e o intrigante "Johnny Guitar".
Diferente da maneira operística dos belos westerns de John Ford, Ray caminhou pelo velho oeste ousando na narrativa não-linear, como em "Quem foi Jesse James" e o intrigante "Johnny Guitar".
"Sangue sobre a neve", "O Rei dos reis", "Cinzas que queimam", "Paixão de bravo"... alguns dos filmes imperdíveis que me vêm à memória agora, verdadeiras aulas de cinema, obras de um cineasta que brigava com os estúdios para fazer filmes autorais, de uma cinematografia própria. Por um longo tempo, Nicholas Ray foi "esquecido" pelos críticos de seu país. Foi a moçada de olhar atento do Cahiers de Cinéma que o descobriu como o mais importante cineasta do pós-guerra. Não foi à toa que Jean-Luc Godard imprimiu o termo "O Cinema é Nicholas Ray".
E este é o título da mostra que o CCBB apresenta com todos os seus filmes, em apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, iniciada no começo deste mês indo até 4 de dezembro.
No próximo sábado, 12, a viúva do cineasta, Susan Ray, estará em Brasília para um seminário e a exibição de "We can't go home again", versão de 2011 do filme realizado em 1973 em conjunto com alunos no período em Ray lecionou numa universidade em Nova Iorque.
É muito bom o bom cinema.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
a Tara de Irma La Douce
O amigo João Alberto Lupin mandou essa foto para o meu mural no Facebook. De imediato achei que fosse Shirley MacLaine em uma cena de "Irma La Douce", clássico comédia romântica que Billy Wilder dirigiu em 1963. Na verdade, é a Tara Satana, atriz e dançarina nipo-americana, que faleceu há pouco tempo, com mais de 70 anos.
"Irma La Douce" foi seu primeiro filme, onde fez uma pequena participação, mas se destacava por sua aparência exótica. Seu filme mais famoso, e que lhe deu projeção mundial foi "Fast, pussycat! kill! kill!", de Russ Meyey, uma sátira pop rodada em 1965, que mistura violência, escracho e denúncia social.
Tara Satana também ganhou notoriedade por ter sido namorada de Elvis Presley.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Crtl + Alt
"Escola de Brasília vai exigir tablet e banir livro de papel", diz a manchete do Correio Braziliense de hoje.
Na lista de material de um colégio local, 16 livros didáticos serão
substituídos por versões digitais. Sou um entusiasta de adventos
tecnológicos, mas não estou convencido da necessidade dessa nova
ferramenta pedagógica. Banir o livro de papel?! Parafraseando Lobato,
um país se fazendo com robôs e tablets?!
domingo, 6 de novembro de 2011
Rio de Janeiro, gosto de você...
foto: Nirton Venancio
Metade do Pão é de Açucar. A outra metade também.
foto Enzo Venancio
Jesus Cristo, eu estou aqui!
foto Nirton Venancio
No meio do calçadão tinha o Drummond. Tinha o Drummond no meio do calçadão.
foto Nirton Venancio
E o sol veio chegando... do Leme ao Pontal.
foto Nirton Venancio
1º de novembro, Dia de Todos os Santos. Pisando no chão sagrado da cidade de São Sebastião.
foto Cristina Pereira
O Rio de Janeiro continua lindo, de qualquer ângulo, mesmo com chuva.
sábado, 22 de outubro de 2011
primavera no velho oeste
Saddam
Hussein, Osama Bin Laden, Muamar Kadafi. Longe de mim apoiá-los. Mas
desperta reflexão a história deles, principalmente o fim de cada um, que
se assemelha entre si. Por um longo tempo foram parceiros dos Estados
Unidos, que lhes deram toda atenção, enquanto economica e
estrategicamente interessava à Casa Branca o que extraía de seus países.
Ao governo americano pouco lhe
importava o que esses tiranos faziam com seus povos. Hussein e Bin
Laden já tiveram boas relações com o mundo ocidental cristão,
capitalista e dito democrático antes de serem representantes do "eixo do
mal". Kadafi vinha se aproximando dessa diplomacia, tentando iludir e
restaurar relações, até apertou a mão de Barak Obama na reunião do G-8.
Jogo de mentiras de todos os lados.
As manifestações realizadas
com objetivo de questionar os regimes autoritários e centralizadores
que ocorrem em diversos países do Oriente Médio é mais um script pensado
em Hollywood, intitulado Primavera Árabe.
Os videos que estão
no ar com as cenas da captura e morte de Kadafi têm a logística
norte-americana: peça sem importância nesse tabuleiro, que os
"rebeldes" trucidem, que povo se revolte e faça justiça com as próprias
mãos e armas financiadas pela Otan. Como bem analisou o colunista
político Mauro Santayana, o que vem acontecendo é uma forte advertência
aos países árabes que têm sido vassalos fiéis de Washington. Os
príncipes da Arábia Saudita que se cuidem. O Paquistão, ao que parece,
já está com suas barbas no molho.
O cowboy e boina-verde John Wayne sempre atira primeiro e pergunta depois. Quando pergunta.
domingo, 16 de outubro de 2011
detalhe
Tem-se
a majestade de um elefante para se admirar, e fica-se preocupado no
detalhe se a unha dele está pintada. É assim que se desenvolvem as
futilidades.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
terça-feira, 11 de outubro de 2011
civilização posterior
"Depois de Atenas, após a Renascença, estamos agora entrando na civilização do traseiro."
Do visionário Jean-Luc Godard, em seu filme "Pierrot le fou" (no Brasil, "O demônio das onze horas"), de 1965!
Lembrei-me desse "vaticínio" do cineasta depois que li há pouco sobre
um tal concurso Miss Bumbum Brasil, pela internet. As candidatas
representando seus respectivos estados, todas com perfil de "heróinas"
BBB, por razões óbvias são apresentadas de costas. Precisam mostrar o
que e com que pensam.
cinema em cartaz
Começa hoje no cine Brasília a mostra CCBB em Cartaz, com 15 filmes inéditos nas telas da cidade.
O filme de abertura é "Riscado", premiado nos festivais de Gramado e
Rio, dirigido por Gustavo Pizzi, que estará presente para um debate após
a sessão.
Os filmes da mostra foram bem selecionados.
Imperdíveis. Agende-se para o bom cinema e risque a programação imbecil
das salas nos shoppings.
A entrada é franca.
valeu, Marceleza!
"Todos
reconhecem a importância dele no rock e nunca o chamaram pra nada disso
quando estava vivo. E outra: gringos com metade do tempo de carreira e
de qualidade duvidosa iriam se apresentar no palco principal. Tô
completamente fora desse troço! Não preciso disso."
Reação do
roqueiro Marcelo Nova ao ser convidado pelos organizadores da "micarê"
Rock in Rio para homenagear Raul Seixas juntamente com outros artistas
em palco secundário do evento. Fez bem.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
outras telas
cena de "Protetor", de Marek Najbrt
Olha-se a programação de cinema na cidade e, com exceção de um ou outro filme, não tem nada que se aproveite. A mesmice de sempre. O cinemão se recicla em bobagens. Os filmes estão cada vez mais parecidos com video games e novelas.
Aqui em Brasília a saída é o circuito alternativo. O CCBB apresenta a Mostra de Cinema Tcheco, composta de quase vinte títulos inéditos, representativos da cinematografia daquele país. Estão lá filmes de cineastas como Miloš Forman, Jirí Menzel e Jan Sverák.
Na sequência, Mostra de Cinema Coreano. Kim Ki-Duk está na lista, com o ótimo "Primavera, Verão, Outono, Inverno e ... Primavera".
Na próxima semana, o cine Brasília exibe a segunda edição da mostra que apresenta longas nacionais e internacionais contemporâneos, todos inéditos na cidade. Entre os quinze anunciados, o aguardado "Belair", de Bruno Safadi e Noa Bressane, e o polêmico "Melancholia", de Lars Von Trier.
Cinema não é só pipoca.
Aqui em Brasília a saída é o circuito alternativo. O CCBB apresenta a Mostra de Cinema Tcheco, composta de quase vinte títulos inéditos, representativos da cinematografia daquele país. Estão lá filmes de cineastas como Miloš Forman, Jirí Menzel e Jan Sverák.
Na sequência, Mostra de Cinema Coreano. Kim Ki-Duk está na lista, com o ótimo "Primavera, Verão, Outono, Inverno e ... Primavera".
Na próxima semana, o cine Brasília exibe a segunda edição da mostra que apresenta longas nacionais e internacionais contemporâneos, todos inéditos na cidade. Entre os quinze anunciados, o aguardado "Belair", de Bruno Safadi e Noa Bressane, e o polêmico "Melancholia", de Lars Von Trier.
Cinema não é só pipoca.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Jaborandy
foto Divulgação 2º Fest Cine Maracanaú
foto William Lima
Tenho acompanhado a carreira do meu conterrâneo com a admiração de quem
se magnetiza pela arte em estado puro. Jaborandy brilha em todos os
filmes em que participa, seja em papéis principais, como em "Latitute
Zero", de Toni Ventura, ou em aparição de destaque, como em "Céu de
Suely", de outro cearense danado de bom, Karin Aïnouz. Pelas minhas
contas, são dez filmes até agora. E ainda se "aventura" em televisão,
atuando em novelas, onde, como se sabe, é um espaço limitado e corrido
onde o ator não pode mostrar todo o seu potencial, mas que funciona bem
como veículo pra um conhecimento maior do público.
Pena que,
por compromissos dele à epoca, não pode fazer um dos personagens no meu
filme "O último dia de sol", em 99. Mas já lhe disse que ele não me
escapa e estará no meu próximo trabalho.
Jaborandy é um dos homenageados no 2º Fest Cine Maracanaú, que começou ontem em Fortaleza e segue até dia 9.
Parabéns aos organizadores do evento pelo justo reconhecimento.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
mais dos mesmos
Edgard Navarro e Luiz Paulino dos Santos em "O homem que não dormia", de Navarro.
A
premiação das principais categorias do 44º Festival de Brasília do
Cinema Brasileiro cai no óbvio ululante. Conservador, o juri deixou
passar batido filmes ousados e desobedientes como "O homem que não
dormia", de Edgard Navarro (apenas com o troféu de
ator-coadjuvante, Ramon Vane), o literalmente pop, pela temática popular, "Vou
rifar meu coração", de Ana Rieper, e um dos curtas mais corajosos que
vi recentemente, "A casa da Vó Neyde", do paulista Caio Cavechini.
Fora
o do Navarro, os outros dois não ganharam sequer uma menção. Até o
público, através da votação nas urnas, deixou-se levar pelos bonitinhos
televisivos na tela do cine Brasília e elegeu maciçamente os mesmos de
sempre, quando se esperava que a acolhida calorosa na noite de exibição
do filme de Ana Rieper o consagrasse como favorito.
domingo, 2 de outubro de 2011
Navarro, o super-outro
"O homem que não dormia", longa de Edgard Navarro exibido sexta-feira no Festival de Brasília, não faz concessões e nem está preocupado se desafina o coro dos contentes. O baiano faz parte dos pensantes cineastas autênticos, ou de autênticos cineastas pensantes, ou de cineastas pensantes autênticos, tanto faz: a ordem dos detratores não vai alterar o produto na tela. Se o nosso cinema atual tivesse mais cineastas como Navarro, Cláudio Assis, Petrus Cariry, Karin Aïnouz, Eric Rocha, e outros raros, cada um com seu olhar original, a estampa seria menos contemplativa.
O cinema dessa turma não choca. O que choca é a mesmice de um cinema agora edulcorado numa dramaturgia televisiva.
Diga aí, Edgard Navarro: "Eu rigorosamente digo que não coloquei nada para chocar. Já estou chocado há muito tempo."
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
o passado hoje
Filmes
sobre os anos de chumbo no Brasil me interessam. O tema já rendeu o meu
curta "O último dia sol" e é referência no roteiro de um próximo,
"Estranhas coincidências".
No Festival de Brasília me tocou
muito "Ser tão cinzento", curta exibido no primeiro dia de competição,
que Henrique Dantas fez sobre o cineasta Olney São Paulo e seu belíssimo
"Manhã cinzenta", curta proibido pela ditatura no final da década de 60, na sequência de horrores com a decretação do AI-5.
Olney morreu jovem, aos 41 anos, de câncer no pulmão, mas o laudo
verdadeiro foi consequência do que sofreu na prisão quando foi detido
pelos militares no final de 69 por conta de seu filme, que teve os
negativos e as cópias recolhidas. O cineasta também foi recolhido para
local ignorado. Foi torturado, pegou pneumonia, quando liberado foi
direto para o hospital.
O filme de Henrique Dantas é primoroso em
resgatar e homenagear um brasileiro a quem Glauber Rocha chamava de
"mártir do cinema brasileiro". Como disse a cineasta Tata Amaral, "é
curativo ir ao passado". As novas gerações, principalmente, precisam
saber a história do Brasil que as escolas não lembram.
E é
justamente de Tata Amaral que espero assistir a um bom filme: "Hoje" que
será exibido (o trocadilho é inevitável) hoje na mostra competitiva de
longa no Festival. O filme aborda o drama de uma ex-militante política
e suas agruras sobre o ex-compaheiro desaparecido há duas décadas.
Apostando hoje no passado.
mãe e filha vão ao cinema
Hoje, às 17h30, será exibido no cine Brasília uma das melhores e mais
ousadas produções nacionais nas últimas décadas: "Mãe e filha", de Petrus Cariry.
O filme faz parte da programação do 44º Festival de Brasília, dentro da
Mostra Panorama Brasil, e espantosamente ficou de fora da mostra
competitiva, enquanto outras "coisas" em que não se pode apostar muito e
tem "atores" de novelinhas no elenco, estão lá na disputa pelo
candango
Quem assistir ao filme do Petrus vai dar cara e mergulhar em Cinema na sua mais completa tradução.
Sou um entusiasta e não deixo passar batido o que é bom: http://bit.ly/n2EbpP
terça-feira, 27 de setembro de 2011
rock in Brasilia
Desde
que acompanho o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro a noite de
abertura de ontem foi uma das mais emocionantes. A exibição do filme
convidado, "Rock Brasilia, a era de ouro", de Vladimir Carvalho,
magnetizou a plateia que lotava a enorme sala Villa-Lobos do Teatro
Nacional
O documentário é um recorte da história do rock no
Brasil que se fez na Capital no fim dos anos 70 e começo dos 80.
Centrado nas principais bandas que nasceram na cidade, Legião Urbana,
Capital Inicial e Plebe Rude, o filme traz depoimentos dos integrantes e
imagens de época pouco conhecidas. Contando a história daqueles jovens
do Planalto Central, Vladimir faz uma comovente "arquelogia" de uma
geração de adolescentes que fazia música com "o vento forte, seco e sujo
em cantos de concreto", uma forma de romper o isolamento cultural da
cidade.
E numa colagem com versos do Drumond e Renato Russo, o que
senti após a exibição é que uma flor furou o asfalto, o tédio e se fez
música urbana pelo resto do país.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
tire o seu sorriso do caminho...
"Os
filmes de Spielberg são todos capitalistas ou, pelo menos, pequenos
burgueses, todos acreditam em Deus e têm os mesmos valores:
politicamente eu acho isso realmente desastroso e desprezível. Com isso,
não quero dizer que Spielberg seja um facista, mas apenas que ele não
pensa politicamente: ele considera a América como uma espécie de sonho,
como um ideal. É atitude como essa que determina o declínio de um país."
Pensamento lúcido do cineasta Jim Jarmusch.
Gosto de Spielberg, de alguns filmes de Spielberg, como "Encurralado",
"Império do sol", "A lista de Schindler". Mas gosto mais, muito mais de
Jim Jarmusch, de todos os seus filmes. Identifico-me mais com esse
estranho no paraíso do cinema do que com o paraíso que o cinema de
Spielberg idealiza.
o anjo torto de Itapemirim
Quando ele nasceu, um anjo torto, desses que vivem nas sombras disse, “vai, Sérgio, ser gauche na vida”. Parafraseando os versos do clássico poema de Drummond, que inspirou o nome do projeto “Anjos Tortos – A MPB gauche na vida”, em apresentações no CCBB Brasília, alegro-me em dizer que o show de ontem foi o melhor dos três apresentados. Redimo-me, reparo-me, pois, como suspeitei em postagem anterior aqui, não via muito sentido na escolha do violeiro Eugenio Avelino, o Xangai, para homenagear Sérgio Sampaio, um dos mais geniais e esquecidos compositores da música brasileira. Recuperei-me do desastre que foi o show constrangedor de Jorge Mautner “cantando” Raul Seixas. E já não tinha me entusiasmado muito com Max de Castro homenageando o pai, Simonal.
Surpreendente o show de Xangai. Com a afinadíssima viola e sozinho no palco, com sua belíssima e singular voz de canário, ele dominou e conquistou a platéia em uma hora e meia de show, cantando algumas músicas suas, muitas do Sérgio Sampaio, e contando “causos”, quando os dois moraram juntos no Rio de Janeiro. O show foi surpreendente porque realmente eu não via alguma relação musical entre os dois. Mas que nada! Tem sim! Tem porque ele com sensibilidade e a amizade que os uniu, adquiriu a essência e significado da música que Sérgio fazia. O canto agreste do baiano soube muito bem incorporar a fúria modernista do capixaba.
Sérgio Sampaio, de certa forma, foi ofuscado pelo próprio sucesso de “Eu quero é botar o meu bloco na rua”, involuntariamente lançada como uma moderna marcha-rancho de carnaval, em 1973, e por outro lado, sem muito interesse da mídia que o via como um magrelo esquisito, largado na vala comum dos malditos. Suas letras são geniais, sua música vai do chorinho, passa pelo samba e vai ao rock sem perder o tom, bastante avançado naqueles ainda repressivos anos 70. Compôs uma belíssima música, “Meu pobre blues”, especialmente para seu ídolo e conterrâneo Roberto Carlos, que com aquelas esquisitices azuladas dele não deu a mínima. Mas esse blues enviesado foi um sucesso na voz de uma cantora paulista que surgia, gravada em seu primeiro LP, em 1973: Zizi Possi.
Zeca Baleiro, um dos seus admiradores, produziu em 2006, num digníssimo resgaste, o cd “Cru”, com gravações originais de Sérgio, algumas inéditas e precariamente em cassete. E outros compositores da nova geração estão nessa descoberta do tesouro da nossa música.
Assisti a um dos últimos show dele, aqui em Brasília, em 1993, no bar Feitiço Mineiro. Autografou meu vinilzão e, não sei por que, na hora me deu vontade de cantar pra ele sua própria música “Tem que acontecer”...
Sérgio Sampaio, anos-luz à frente de muitos, nunca fez concessão às exigências e burrice de alguns setores da música brasileira.
Íntegro, não se entregou: morreu de parabélum na mão.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
ispique inglish?
No
metrô de Brasília, uma voz feminina metálica e asséptica anuncia as
paradas nas estações em português e inglês. Por que isso?! Porque
estamos na capital da República e o "turismo" também anda de
metropolitano? Nunca vi um gringo naqueles vagões. Porque a Copa vem aí?
Ou porque brasileirinho adora e acha chique tudo em inglês?
É risível aquela moça anunciando a próxima estação "Guariroba station".
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
toca Raul!
E vi que deu em nada. O grande Jorge Mautner decepcionou invocando o
nosso roqueiro maior Raul Seixas. Cantou, aliás, esforçou-se em cantar
três músicas do homenageado e foi frustrante. Constrangedor ver um
artista como Mautner errando as letras de "Metamorfose ambulante" e
"Mosca na sopa" e desafinando sem alcançar a altura das músicas. Marcelo
Nova faria melhor.
A ideia do projeto em
homenagear esses anjos "gauches" da nossa música é excelente, mas a
curadoria não acertou em algumas escolhas dos artistas convidados para a
releitura desses músicos geniais. Semana passada Max de Castro
reverenciou seu pai Wilson Simonal, quando o outro filho, Wilson
Simoninha, tem muito mais a ver com o swing de samba e soul que o
saudoso "rei da pilantragem" fazia.
E nesta semana um dos mais
marginalizados e sacaneados compositores da música brasileira, o
capixaba Sérgio Sampaio, será homenageado em show pelo baiano Xangai.
Por que a escolha?! Porque eles eram compadres quando o cantor morava em
Salvador recuperando-se de uma fase braba na vida. Pois é.
Musicalmente, não consigo ver relação do violeiro das estampas de
Eucalol com a poética e fúria modernista do cantor que queria botar seu
bloco na rua.
Na sequência, até 2 de outubro no CCBB, Chico
César homenageia o pessoal e intransferível Torquato Neto, Jads Macalé
embarca no vapor barato que fez com Wally Salomão, e Anelis Assumpção
pede as benções de seu pai Itamar Assumpção.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
mãe e filha do cinema
fotos Iluminura Filmes
Vacas que pastam. Vacas que
passam. Vacas que mastigam o tempo. O tempo é o sólido personagem de “Mãe e
filha”, segundo longa-metragem de Petrus Cariry. As vacas, que num segundo de percepção
podemos fazer uma analogia ao cinema de Apichatpong Weerasethakul, ouso tranquilamente
dizer que o cearense Petrus é bem mais um talhador do tempo no cinema do que o
cineasta tailandês. E trago agora a
referência de Andrei Takovski e seu cinema esculpindo o tempo. Petrus sabe
igualmente com maestria o movimento do cinzel na tela, desde seu primeiro
longa, “O grão”, desde seus primeiros grãos germinados nos curtas-metragens.
Depois de uma longa separação,
mãe e filha se encontram no sertão, entre ruínas e lembranças. O destino da
filha nega o sonho da mãe. O passado é um círculo que aprisiona os vivos e os
mortos. A filha quer romper, mas as sombras espreitam – é o que diz a
sinopse. E quando se mergulha nos 80
minutos do filme, vê-se que até no resumo em que o cineasta abrevia a história,
ele consegue proporcionar o tempo nas palavras certas. “Mãe e filha” é somente
isso e muito mais.
O tempo que se alonga nos planos
da filha pelo corredor da casa é o mesmo tempo da mãe caminhando pelas ruas da
cidade deserta. O tempo que se molha na
chuva é o mesmo tempo que se queima nas velas que iluminam a solidão da casa e
o silêncio das pessoas. O tempo metálico que range no cata-vento que puxa a
água do ventre seco do sertão, é o mesmo tempo do dolorido cacarejo final da
galinha sangrada pela velha mãe. O tempo aparentemente estático nas fotos
antigas dos familiares é o mesmo tempo dos vaqueiros parados logo após o
batismo do menino morto. O tempo das luzes que entram pelas frestas das portas
e janelas, pelas réstias dos telhados, é o mesmo tempo dos raios de sol
cortados pelas lâminas do cata-vento. O tempo que a filha reclama da ausência
do pai em sua vida, é o mesmo tempo em que não se sabe do pai do rebento morto.
O tempo em que a filha pergunta incerta para mãe se acredita em Deus é o mesmo
tempo em que a mãe responde incerta em seu politeísmo “qual Deus?”. O tempo em
que a avó batiza o netinho morto na pia encardida é a mesma pia do tempo amarelado
em que a filha molda o barro que destinará ao filho. O tempo em que o menino se
chama Antonio é o mesmo Antonio que se denomina o avô que se foi há tempos. O
tempo que a avó pergunta pra filha “como está” o menino morto, é o mesmo tempo
em que ela trata a “indesejada das gentes” como vida. O tempo que a filha sobe
numa cadeira para afagar as estátuas santas num armário, é o mesmo tempo que a
avó lava e acaricia o corpo da criança morta.
O tempo que a filha junta cacos na igreja, é o mesmo tempo em que ela
une e desune os pedaços da fé em ruínas. O tempo em que num belíssimo plano a
imagem da avó surge num espelho como um fantasma, é o mesmo tempo em que a
filha volta evanescente para casa depois de muitas estações. O celular que a
filha tenta ligar e não funciona, é o mesmo tempo moderno que está no passado inútil
na camiseta com a estampa de Marylin Monroe.
Em “Mãe e filha” o cineasta
Petrus Cariry supera-se sem delimitar-se (ao mesmo tempo) com relação ao longa
anterior. Fica difícil apreciar lúcida e criticamente um filme sem observar
elementos de outro, porque o diretor não faz filmes: faz Cinema. Nada falta no centro de “Mãe e filha”, como
nada sobra pelas laterais dos enquadramentos. O domínio narrativo no filme tem
a precisão de quem sabe recortar o espaço e moldar o tempo com o equilíbrio da
razão e a harmonia do coração – ou o contrário, se a destreza é a mesma.
Não há a chamada química entre as
atrizes Zezita Matos e Juliana Carvalho: há uma alquimia na interpretação das
duas, respectivamente a mãe Laura e a filha Maria de Fátima. Uma vez o diretor mencionou que seu plano
preferido no filme é o da rede em que a avó embala o corpo do neto, numa
belíssima composição fotográfica de contraluz na porta da casa. Eu tentei escolher um de tantos que me
agradam, inclusive o citado, e me perdi em vários, e me encontrei no filme por
inteiro. A beleza e grandiosidade dos
planos estão em consonância no filme completo, tanto é que parece ser encenação
na própria história a inclusão do quadro “Ophelia”, de John Everett Millais. A obra mais famosa do pintor inglês, do século
19, retrata romanticamente a imagem idealizada da mulher trágica: o amor de
Hamlet que se suicida, flutua num lago, de semblante petrificado, emoldurada
por uma vegetação melancólica. O clima renascentista da pintura entra no sertão
metafísico de Petrus em composição simbólica de forte ressonância com o que se
viu em sequências anteriores. E com o que virá.
Um filme bom nunca termina: ele
continua pulsando em nossos olhos, encantando e provocando. Depois da
fortíssima cena da mãe enterrando o filho, ela anda pela estrada de volta a
algum lugar no futuro de si mesma. Solta os cabelos como para libertar-se de
alguma expiação. E segue. Com sua mochila nas costas e Marilyn na camisa, a
câmera a acompanha pelo chão sagrado. E
depara-se com os quatro vaqueiros (do apocalipse?) barrando-lhe a estrada. E ela
dispara em confronto. Escurece a tela. O filme acaba aí, mas não termina lá.
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