A primeira lembrança que se pode
ter ao assistir o filme O palhaço, de Selton Mello, é justamente Os palhaços,
que Federico Fellini realizou em 1970. Mas a citação, por analogia ou
semelhança, para por aí. O diretor italiano fez então um quase documentário,
originalmente para a televisão, indo pelo mundo com sua equipe atrás dos
palhaços do passado, dos clowns que
lhe marcaram.
Selton Mello diz que se inspirou
no personagem de Renato Aragão, o trapalhão Didi Mocó, para escrever o roteiro
do seu segundo longa-metragem. Pode ser um ponto de partida pessoal, mas as
referências desse belo filme são muitos personagens clowns que o cinema versou, de Buster Keaton a Jacques Tati,
passando, claro, pelo Carlitos de Charles Chaplin, como menção primitiva, e até
mesmo conceitual. A modelagem do personagem concebido por Selton Mello se faz,
na verdade, do que caracterizou a alma que o genial Chaplin dissecou em sua
mais conhecida criação: a solidão do palhaço. A solidão que humaniza, a desesperança
que questiona, a tristeza que não mata – nem morre. No filme em comentário,
podemos encontrar um pouco de cada um desses clowns que o cinema, ao longo da sua história e matinês, guardou em
nossa memória afetiva. E com todas essas prováveis alusões, magnificamente o palhaço
Pangaré de Selton Mello, tem vida própria, tem sua solidão pessoal e
intransferível.
Na história, um circo mambembe –
não à toa chamado Esperança – caminha atrás de sua platéia pelo interior do
Brasil, mais exatamente pelo sertão roseano de Minas Gerais. A paisagem é
atemporal e em cada cidadezinha, o circo levanta sua lona e repete as mesmas
piadas nos espetáculos, trazendo o riso, o encantamento e os trocados dos
moradores. Estão lá alguns dos elementos que compõem um grupo teatral volante
em condições precárias: o anão, a mulher gorda, os músicos desafinados, os
mágicos fajutos, a bailarina sedutora... e, claro, o palhaço, no caso, dois.
Paulo José, na pele, ou maquiagem, do palhaço Puro Sangue, mantém uma química
contínua como pai de Pangaré. E Pangaré é o triste Benjamin. E o filme é
Benjamin. Os enquadramentos estáticos do
personagem, a demora necessária de planos no rosto abatido de Benjamin, é o
melhor da pulsação narrativa que o diretor imprimiu ao seu trabalho. A razão do filme está justamente nesses
momentos. A alma do filme está nesses enquadramentos. “O palhaço” tem uma
concepção minimalista. E, por essência, cada gesto, cada extensão de silêncio,
se define na imagem. E se há a palavra, ela faz parte do silêncio que a imagem
apresenta.
A trilha sonora remete a alguns
clássicos do neorrealismo. A fotografia de uma beleza crua e ao mesmo tempo
poética, ilumina uma paisagem rural e humana que lembra as andanças de trupes
na geografia sérvia. As atuações
especiais de Moacir Franco, Jorge Loredo, Tonico Pereira e o comediante Ferrugem, respectivamente como
o delegado, o contador de piadas, o mecânico e o funcionário do cartório, dão ao filme o brilho que o
diretor soube muito bem pontuar.
Selton Mello estreou em 2008 em longa
com Feliz Natal, um filme denso e de direção segura. E agora reforça sua
sensibilidade, e, sobretudo, sua personalidade como diretor.
Um filme singular na recente
safra do cinema brasileiro. É isso o que “O palhaço” é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário