foto Agência O Globo, 1972
"Para chatear os imbecis.
Para não ser aplaudido depois de sequências, dó de peito.
Para viver à beira do abismo.
Para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público.
Para que conhecidos e desconhecidos se deliciem.
Para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo.
Porque de outro jeito a vida não vale a pena.
Para ver e mostrar o nunca visto,
o bem e o mal, o feio e o bonito.
Porque vi 'Simão no deserto'.
Para insultar os arrogante
e poderosos quando ficam como 'cachorros dentro d'água' no escuro do cinema.
Para ser lesado em meus direitos autorais."
Em 1987 o jornal francês Libération fez a pergunta acima, no título, ao cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade. A resposta foi esse ótimo texto, refletindo as dificuldades e garra de filmar os roteiros do Terceyro Mundo, como dizia Glauber Rocha.
Publicado posteriormente no catálogo da mostra retrospectiva que o CCBB, no Rio de Janeiro, fez em 1994, no mesmo ano a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhoto musicou o texto e gravou no CD Fábrica do poema.
Joaquim Pedro, que faleceu em 1988 aos 56 anos, não teve tempo de realizar o que considerava seu grande projeto: adaptar Casa-Grande & Senzala, obra-prima do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, de 1933, um dos livros mais importantes sobre a formação da sociedade brasileira, ao lado de Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda, 1936, e O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil”, do antropólogo Darcy Ribeiro, publicado em 1995.
O cineasta foi um dos mais interessados na "balbúrdia" de historiografia e sociologia do Brasil. Com exceção do primeiro filme, o documentário Garrincha, alegria do povo, de 1962, sua filmografia é fundamentada em obras pontuais da nossa literatura:
- O padre e a moça, do poema de Carlos Drummond de Andrade;
- Macunaíma, da obra homônima de Mário de Andrade;
- Os Inconfidentes, baseado em O romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles;
- Guerra conjugal, filme de episódios do livro que reúne vários contistas, entre eles Dalton Trevisan;
- Contos eróticos, roteirizado a partir de histórias publicadas na revista Status;
- O homem do Pau Brasil, seu último trabalho, uma cinebiografia sobre um dos ícones do modernismo brasileiro, Oswald de Andrade, que tem roteiro do próprio escritor.
Joaquim Pedro faria hoje 88 anos chateando os imbecis.
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