Em 2017 o ator e cineasta Selton Mello lançou O filme da minha vida, com roteiro dele e Marcelo Vandicatto, baseado no livro Um pai de cinema, do escritor chileno Antonio Skármeta (o mesmo de O carteiro e o poeta). Ambientado no começo dos anos 60, numa pequena cidade da serra gaúcha, a narrativa se desenvolve em ritmo de metalinguagem ao discorrer a ação do personagem central, um jovem fascinado por poesia e cinema (Johnny Massaro), que convive com a ausência do pai (Vincent Cassel), um projecionista de filmes que foi embora sem avisar a família.
Uma das pontuações marcantes do filme é a trilha sonora, com composições originais de Plínio Profeta, e várias canções escolhidas por Selton Mello, todas registradas na memória afetiva de uma geração, o que dá uma tonalidade nostálgica e poética ao enredo. De clássicos da música francesa a sucessos da Jovem Guarda, de Dalva de Oliveira a Nina Simone e Francoise Hardy, de Sérgio Reis a Orquestra Romântico de Cuba e Charles Aznavour.
E é nesse grande cantor e compositor francês, falecido há dois anos, que o diretor Selton Mello chega à essência maior de seu filme, ao selecionar a belíssima Hier encore, que Aznavour gravou em 1964 no disco Charles Aznavour accompagné par Paul Mauriat et son orchestre. Curiosamente, a canção, apesar de ter sido muito popular, não teve o reconhecimento merecido à época do lançamento, ofuscada pelo enorme sucesso da faixa 1 do lado A, Que c'est triste Venise. Teve versões em diversas línguas por dezenas de cantores. O próprio Aznavour gravou em inglês.
A letra fala das reflexões de um homem quando teve seus vinte anos de idade, o que viveu e aproveitou, o que desperdiçou, o que deixou passar pelo impulso da juventude. É aí que a canção e o filme se encontram. O personagem dialoga com o tema da música não por contrição, não por sentimento de compunção, mas pela viagem que faz em tudo que está ao redor: a presença dos amores, dos livros, dos filmes, e o absentismo paterno, que também está intimamente ligado ao cinema, como o projecionista de Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore.
Uma viagem ao meio de uma história, ao coração de uma trajetória, como apresenta o narrador em off na abertura do teaser do filme no vídeo acima.
A canção é um percurso ao coração de si - o compositor passeando nos campos de sua juventude.
O filme é uma viagem de trem ao coração do cinema - o cineasta vendo pela janela o interior do filme.
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