sexta-feira, 24 de maio de 2019

por que você faz cinema?

foto Agência O Globo, 1972
"Para chatear os imbecis.
Para não ser aplaudido depois de sequências, dó de peito.
Para viver à beira do abismo.
Para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público.
Para que conhecidos e desconhecidos se deliciem.
Para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo.
Porque de outro jeito a vida não vale a pena.
Para ver e mostrar o nunca visto, 
o bem e o mal, o feio e o bonito.
Porque vi 'Simão no deserto'.
Para insultar os arrogante
e poderosos quando ficam como 'cachorros dentro d'água' no escuro do cinema.
Para ser lesado em meus direitos autorais."

Em 1987 o jornal francês Libération fez a pergunta acima ao cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade.
A resposta foi esse ótimo texto, publicado posteriormente no catálogo da mostra retrospectiva que o CCBB, no Rio de Janeiro, fez em 1994. No mesmo ano, a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhoto musicou e gravou no CD Fábrica do poema.
Joaquim Pedro, que hoje faria 87 anos, partiu aos 56, e não teve tempo de realizar o que considerava seu grande projeto: adaptar para ao cinema Casa-Grande & Senzala, obra-prima do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, de 1933, um dos livros mais importantes sobre a formação da sociedade brasileira, ao lado de Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda, 1936, e O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil, do antropólogo Darcy Ribeiro, publicado em 1995.
O cineasta foi um dos mais interessados na "balbúrdia" de historiografia e sociologia do Brasil. Com exceção do seu primeiro filme, o documentário Garrincha, alegria do povo, de 1962, sua filmografia é fundamentada em clássicos e pontuais da nossa literatura: O padre e a moça, poema de Carlos Drummond de Andrade, Macunaíma, obra homônima de Mário de Andrade, Os Inconfidentes, baseado em O romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, Guerra conjugal, filme de episódios do livro que reúne vários contistas, entre eles Dalton Trevisan, Contos eróticos, roteirizado a partir de histórias publicadas na revista Status, O homem do Pau Brasil, seu último trabalho, uma cinebiografia sobre um dos ícones do modernismo brasileiro, Oswald de Andrade, que tem roteiro do próprio escritor.
De Joaquim Pedro a Karim Aïnouz, fazer cinema para nos dar alegria, ganhar prêmios e chatear os imbecis.

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