Em 1980 a cantora, compositora e jornalista Mona Gadelha lançou o livro Contagem Depressiva, feito artesanalmente, na raça, ilustrações de Mino, com impressão gráfica rústica, rascante feito um rock, e uma tiragem limitada como uma estrela que risca o céu e temos que fazer um pedido. Na capa, uma foto sua, a menininha Simone Mary Alexandre Gadelha.
Inspirado num verso do poeta niteroiense Ricardo dos Anjos, o trocadilho do título provoca reflexões, ou inflexões, existenciais. Bem característico de uma certa época de inquietações em nossas vidas. Os desassossegos aos poucos entram no prumo ou sucumbimos de vez. Os oito contos confessionais na contagem dessa moça bonita, narrados em primeira pessoa como um blues pulsante, dissecam amores, desamores, esperanças... “Afinal que situação existe entre a solidão e o desespero?”, pergunta a uma certa altura e queda.
Eu que já via Mona (en)cantar nos shows, eu que ouvia Mona cantar no disco Massafeira, eu que reouvia Mona como uma Patti Smith no calor de Fortaleza, depois do livro estampei e admirei Monamusa na cena musical cearense.
A história do rock, do blues e das canções cearenses não passa por ela: está nela. Nos anos 70 e 80, as emoções perigosas de quem fazia música na contramão dos bons costumes do lugar, tinham em Mona a postura e o comportamento femininos de quem pinta com talento e ousadia a cor do sonho que a música traz. Do compacto simples de 1985 que falava de um tédio ancestral e perguntava naqueles tempos difíceis se o céu era mesmo azul, aos seis discos CDs que mapeiam com canções os sentimentos mais ternos, é muito mais que uma discografia ao longo desse tempo, é uma geografia afetuosa na música brasileira. Com nosso amigo em comum Gilmar de Carvalho, sempre cumpliciávamos elogios e reconhecimento devotados à Mona.
E na contagem crescente do tempo nos tornamos amigos, um ali colado no coração do outro, um ali confidenciando suas dores nos momentos mais precisos, um ali somando esperanças no futuro mais urgente. E o meu encanto com o livro de 1980 tem simetricamente o enlevo três décadas depois, quando gravou meu poema “Ventania”, musicado por Ricardo Augusto, no disco Cidade blues rock nas ruas, em 2013. A interpretação deu uma outra dimensão aos versos. A gravação tatuou sonoramente a afeição, a estima, o apreço que nos une. O vento forte da vida nos mantém nessa praia lírica da amizade.
Hoje é seu aniversário. Parabéns pelo seu dia todos os dias!
Na ponta da latitude simétrica, a foto arqueológica do álbum de família. No vértice deste 2023, a foto digital do olhar afetivamente analógico de Chico Gadelha. Salve a beleza!
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