terça-feira, 3 de outubro de 2023

a essência do tempo


Foto: Rubens Venâncio

“Eu acho que foi um conjunto de fatores que deu certa robustez ao que a gente fazia inconscientemente. Porque assim como a filosofia, a física está sempre avançando, não tem medo de pensar e construir um novo mundo.”

Trecho de uma das falas da filósofa, antropóloga e pesquisadora Olga Gomes de Paiva no documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B (em fase de finalização) quando lhe perguntei “o que foi Pessoal do Ceará?”. Eu estava diante de uma das mais expressivas intelectuais brasileiras. Como bem disse sua irmã Alba Gomes de Paiva, todo escopo fundamental teórico do patrimônio imaterial que rege o IPHAN no Ceará foi ela quem criou e elaborou.
Iniciando a entrevista, Olga fez referência à diversidade do pensamento criativo daquela turma que frequentava o Bar do Anísio no final da década de 60 e início dos anos 70, em Fortaleza. Cantores, compositores, poetas, estudantes de música, dos cursos de filosofia, física, arquitetura, medicina, direito... A arte e a ciência no mesmo credo, na resistência em busca do novo naqueles tempos difíceis de ditadura militar.
Logo quando cheguei a sua casa para a gravação, no bairro Vicente Pinzon, em agosto de 2021, enquanto meus parceiros de sonho montavam os equipamentos de luz, câmera e som, Olga me recebeu dizendo, com uma modéstia aconchegante, que não tinha muito o que falar. Mas tinha. O pouco que vimos e ouvimos foi muito, sim, sem deixar a profundidade e a simplicidade de lado, de forma impressionante e comovente. Com a voz pausada e baixa, ergueu o pensamento tanto quanto estendeu seu coração.
“Valorizar a história é procurar a essência do tempo”, disse Olga sobre o projeto do documentário, manifestando sua felicidade em estar participando.
E ao final, Olga ofereceu café com bolo de chocolate para a equipe. Um gato que passou ao fundo quando filmávamos, passeava entre nossas pernas enquanto saboreávamos o lanche. Olga acompanhava e sorria com o olhar. A essência do tempo no afeto daquela tarde.
Olga partiu ontem, depois de cinco meses hospitalizada.
E a saudade sempre nos parte em várias tardes.

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