Em meados de 1963, Pier Paolo Pasolini viajou a Israel, Jordânia e Palestina. Com ele dois produtores cinematográficos, o diretor de fotografia Tonino Delli Colli, o padre jesuíta Andrea Carraro e o exegeta bíblico Lucio Settimi Caruso.
Marxista, ateu anticlerical, o cineasta preparava a produção de O Evangelho segundo Mateus (1966), uma visão muito própria da pregação e martírio de Jesus Cristo, reinventando a figura mística através dos diálogos canônicos escritos pelo mais realista dos seus quatro discípulos. Pasolini pretendia mostrar, e o fez, não somente um Cristo precatado, mas um líder que questiona e reivindica.
A viagem aos países do Oriente Médio foi para conhecer, analisar e mapear locações para o filme, por isso sua assessoria, a técnica e a religiosa. Pasolini queria filmar nos locais onde Jesus teria passado.
Depois de duas semanas de andança pelo chão sagrado, viajando em aldeias, ouvindo e conhecendo a história do povo árabe com seu plano de partilha transfigurado, o cineasta desiste de levar as câmeras para lá e a produção define as filmagens no sul da Itália.
Naquele começo de década, a Palestina já estava com quase todo seu território ocupado pelo Estado de Israel, fundado logo após a Segunda Guerra Mundial. “Israel é moderna demais. Os palestinos, muito infelizes”, declarou Pasolini em entrevista. Para ele seria impossível acreditar que os ensinamentos de Jesus tivessem alcançado aqueles rostos.
Por outro lado, a viagem resultou em um ótimo documentário de 52 minutos, Sopralluoghi in Palestina per Il Vangelo Secondo Matteo, lançado em 1965, uma preciosa crônica do itinerário do cineasta na Terra Santa. Embora o toquem profundamente, os lugares da paixão o decepcionam, sentimento muito claro nos enquadramentos, nos olhares flagrados pelo fotógrafo Tonino Colli, nos comentários e reflexões de Pasolini para o religioso Carraro. Ao procurar o antigo e o sagrado, numa paisagem onde tudo parece queimado na matéria e no espírito, o cineasta encontra a modernidade tirânica e a miséria intolerável.
E aqui o meu lamento de devoto de Pasolini: com o propósito de elenco com atores amadores, figuração do povo e cenários históricos, se o filme tivesse sido naquelas locações, teria mais fortemente um viés neorrealista bíblico. Tanto quanto Mateus, o Evangelho segundo Pasolini.
Acima, uma cena de Pasolini e sua equipe no deserto de Beersheba, na Palestina, onde moram tribos de beduínos. Na narração do cineasta, o local é conquistado dia a dia pelos israelenses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário