domingo, 8 de outubro de 2023

seu dotô, me dê licença pra minha história contar


 

8 de outubro, Dia do Nordestino.
A data, instituída pela lei nº 14.952, de 13 de julho de 2009, na cidade de São Paulo, foi escolhida em homenagem a dois grandes artistas:
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (1909-2002), poeta e músico cearense, pelo centenário de nascimento naquele ano.
Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), poeta, músico e teatrólogo maranhense, autor da célebre toada, em parceria com João Pernambuco (1883-1947), Luar do sertão, pelo aniversário de nascimento nesse dia.
Há uma polêmica histórica sobre a composição. Gravada pela primeira vez em 1914, pelo cantor e violinista Eduardo das Neves, Pernambuco acusou Catulo de plágio, que assumia sozinho autoria. Dizia que parte da melodia e o estribilho eram do seu coco Meu engenho é do Humaitá. Leandro Carvalho, estudioso da obra do compositor pernambucano, nascido em Jatobá, por ocasião do CD que organizou em 1997, João Pernambuco – O poeta do violão, declarou que “Por onde João andava, Catulo estava atrás, anotando tudo; foi o que aconteceu com ‘Luar do sertão’: Catulo ouviu, mudou a letra e disse que era sua". Catulo já se defendia dizendo que a melodia “mais ou menos pertence ao domínio público”, e afirmou em entrevista ao jornalista Joel Silveira que compusera “ouvindo uma melodia antiga, cujo estribilho era assim: 'É do Maitá! É do Maitá'". Ao final, uma das músicas mais gravadas do repertório brasileiro está creditada aos dois. A contenda entre o pernambucano João Teixeira Guimarães, seu nome de batismo, e o maranhense com nome apaixonadamente cearense, teve um “armistício” provocado pelo mercado fonográfico.
O título da postagem é o verso de abertura de um dos poemas mais famosos de Patativa, Vaca Estrela e Boi Fubá, publicado em Cante lá que eu canto cá (Editora Vozes, 1978). Musicado também pelo poeta, a composição teve várias gravações, inclusive com o autor, no LP A terra é naturá, em 1981, um ano depois da gravação de Raimundo Fagner, no disco Eternas ondas, ambos pela CBS/Epic.
Logo nas primeiras páginas do citado livro da Vozes, Patativa em um texto intitulado Autobiografia, diz que “Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça no ano em que fui ao Pará. (...) Não tenho tendência política, sou apenas um revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.”. Era virada de uma década, ainda na ditadura, com significativas mudanças no quadro político, o tremular nas bandeiras das Diretas Já, manifestação de cunho popular que iniciaria em 1983.
Patativa nos versos que entoam o lamento sertanejo do que aconteceu com suas cabecinhas de gado, manifesta “no substrato do seu olhar oprimido”, como apontou Francisco Damazo, professor de Teoria Literária da UniToledo (SP), o trabalho no roçado e as injustiças sociais. Estruturado em redondilha maior e rimas em versos pares, o poema imprime o cenário de contemplação crítica e denúncia com os males da seca. O campo, a terra, o boizinho Fubá, a vaquinha Estrela, sustentos de sua sobrevivência e insumos de sua poesia.
Sua história para contar, mesmo que “seu dotô” não desse licença.
foto de Patativa, © Tiago Santana
foto de Catulo, Acervo MIS-RJ

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