Em As cidades invisíveis, obra máxima de Italo Calvino, o personagem Marco Polo, jovem veneziano viajante, relata ao Imperador Kublain Khan suas impressões sobre as mais de cinquenta cidades que visitou.
O próprio Calvino está organicamente conduzido nessa narrativa, pela sua história, pelo diagrama que as cidades inventadas traduzem sua visão de mundo. O escritor nasceu em 15 de outubro de 1923 em Santiago de las Vegas, que hoje pertence ao município de Boyeros, na província Cidade de Havana, Cuba, à época governado por um poeta, Alfredo Zayas y Alfonso, do Partido Popular Cubano. Os pais de Calvino, cientistas italianos, passavam uma temporada na ilha no começo daquela década. O escritor cresceu em San Remo, Itália, e em 1941, em Turim, abandona a Faculdade de Agronomia para engajar-se na Resistência Italiana e lutar contra o fascismo. Formando-se depois em Letras, Calvino viveu em Siena, na região da Toscana, até sua morte, em 1985, aos 61 anos.
As cidades de Calvino, de livro e vida, são personagens em sua arquitetura, memória e desejo. Nelas parece que morou um pouco de cada um de nós. Ou que gostaríamos de ter morado. Ou que sonhamos um dia morar. Mesmo que “o último porto só pode ser a cidade infernal”, como diz Kublain Khan a Marco Polo no final do livro (edição de 1994, da Companhia das Letras), ao que ele rebate: “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui.”
Voltando às primeiras páginas, no capítulo de abertura, As cidades e a memória, um dos mais belos trechos de toda a bela e vasta literatura de Italo Calvino:
“Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!, é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes.”
Hoje, um século de nascimento do escritor que canta todas as manhãs na literatura.
Acima, Calvino em sua casa, fotografado por Angelo Raffaele Turetta, primavera de 1982.
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