sábado, 15 de agosto de 2020

subindo aos céus

De acordo com a crença Cristã, Maria mãe de Jesus teria morrido enquanto dormia em 15 de agosto do ano 43. “Acordou” quando estava sendo levada aos céus por anjos. Essa subidinha ao Paraíso é chamada de assunção, porque Maria só teve acesso à casa do Pai depois de morta e ressuscitada, ao contrário do Filho, que com seu próprio poder e sacrifício com esta humanidade ingrata, teve acesso com todas as prerrogativas ao Paraíso ainda vivo.
Entre Mãe e Filho há essa diferença para o Catolicismo: Ascensão de Nosso Senhor e Assunção de Nossa Senhora.
Em minha Fortaleza, capital cearense, o Forte de Nossa Senhora de Assunção remonta à época da segunda invasão dos holandeses ao Brasil. A primitiva estrutura de longas e altas paredes brancas foi erguida por eles em meados do século 17, estrategicamente ao lado rio Pajeú que vai bater no meio do mar.
A Coroa Portuguesa que já estava por aqui há mais tempo, tinha ultrapassado a fase de estágio probatório, digamos, ergueu suas armas e expulsou os holandeses, apossando-se do forte e denominando-o Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, possivelmente por ter em Portugal, mais precisamente na província de Trás-os-Montes e Alto Douro, uma grande devoção à Virgem Maria.
Desmoronado no começo do século 19, o Forte foi reconstruído pelo governo da Província do Ceará e inaugurado no final de 1812. Cinco anos depois, durante a Revolução Pernambucana, ficou encarcerada a primeira presa política da história do Brasil, a líder revolucionária Bárbara de Alencar, heroína do movimento de caráter republicano e separatista Confederação do Equador. Avó do escritor José de Alencar, foi torturada numa das masmorras.
“Hoje ao passar pelos lados / das brancas paredes, paredes do forte / escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos / ganidos de morte / vindos daquela janela / é Bárbara, tenho certeza / é Bárbara, sei que é ela”, relembra o cantor e compositor Ednardo, como numa psicografia melódica, na belíssima canção Passeio Público, gravada no disco Berro, de 1976.
O Forte, que hoje abriga a 10ª Região Militar, durante os anos de chumbo da ditadura foi sede de muitas prisões, interrogatórios e torturas. Lá de dentro saíram gemidos, gemidos tão loucos, como os de Bárbara a sonhar.
Assim como a Virgem Maria, a insurgente pernambucana-cratense teve sua assunção, mais de um século depois, noutros peitos sangrantes de filhos e irmãos de causa, como o Filho de Maria, como os irmãos em Cristo.
Hoje é feriado em Trás-os-Montes e Alto Douro, e por ser a padroeira, também em Fortaleza, mas as comemorações foram canceladas por conta da pandemia.
Celebram-se, de certa forma, a lembrança da Imaculada e a existência da revolucionária. Duas mulheres dão mais alma e significado ao local, para não esquecer o que fizeram de sangue os fantasmas errantes.
Acima, reprodução da pintura Assunção da Virgem, 1616, do alemão barroco Peter Paul Rubens. Atualmente a obra está no Museu Real de Belas-Artes, Bélgica.

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