No começo da manhã de 28 de agosto de 1963 centenas de negros norte-americanos seguiam em direção a Washington. Iam de coletivos, carros, carona, caminhavam pelas estradas empoeiradas como se caminha no coro de silêncio de uma procissão. No caso, carregavam no peito orações e cânticos e a imagem de um homem que ouviriam discursar naquele dia: Martin Luther King Jr.
A Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade foi organizada por lideranças negras dos Estados Unidos, no momento decisivo na história do Movimento Americano pelos Direitos Civis. Naquele encontro os manifestantes fariam pressão para que as questões de direito para os negros fossem levadas ao Congresso. Mais de 250 mil pessoas lotaram o espaço em frente ao Lincoln Memorial, e ouviriam líderes civis, sindicalistas, religiosos, políticos progressistas e artistas discursarem e cantarem por liberdade, trabalho, justiça social e fim da segregação racial.
Entre os tantas personalidades, destacavam-se o escritor, cineasta e ativista Gordon Parks, o cardeal Patrick O’Boyle, arcebispo de Washington, o socialista Bayard Rustin, que defendia abertamente as causas homossexuais, o romancista, dramaturgo e poeta James Baldwin, os atores Sidney Poitier, Harry Belafonte, Marlon Brando e Charlton Heston, que segurava uma faixa onde se lia “Todos os homens nascem iguais”. (Oponente ferrenho do marcartismo, crítico de Nixon, Heston a partir da década de 80 tornou-se um defensor de causas conservadoras, trocou o Partido Democrata pelo Republicano, apoiou o cowboy Reagan e os dois Bush para a Casa Branca; entusiasta pelo direito às armas de fogo, presidiu a National Rifle Association, e depois como membro honorário vitalício da entidade teve que enfrentar o cineasta Michael Moore tocar a campainha de sua casa em Tiros em Columbine).
Entre tantos músicos na Marcha estavam Josephine Baker, Joan Baez, Mahalia Jackson e Bob Dylan.
O presidente John Kennedy temia que a manifestação causasse conflitos e dificultasse a aprovação das leis em curso no Congresso. Mas a aglomeração diante o espelho d'água no Memorial foi pacífica e repercutiu mundialmente, fazendo com que o presidente Lyndon B. Johnson, que sucedeu Kennedy, assassinado no final daquele mesmo ano, influenciasse decisivamente na aprovação e implementação dos Atos Direitos Civis de 1964 e Direitos do Voto de 1965.
O ápice do histórico encontro foram os 16 minutos e 27 segundos do discurso de Luther King, que dispensou o texto pré-preparado. Magnetizada pela oratória firme, pacífica e emocionada sobre os direitos de uma sociedade em que todos seriam iguais sem distinção de cor e raça, a multidão aplaudia a cada pausa do orador. Em um dado momento, a cantora Mahalia Jackson, que estava ao lado de King, disse-lhe "conte a eles sobre o sonho!", e deu início ao trecho que ficou marcado e intitulou o discurso,“I Have a Dream”, uma expressão com a alma poética de versos de composições de Bob Dylan, que cantou logo após o canto de paz das palavras de Luther King.
Intitulado Homem do Ano de 1963 pela revista Time, Luther King foi condecorado pelo Nobel da Paz em 1964, o mais jovem a receber o importante Prêmio, aos 35 anos.
A participação ativa de Luther King em outros movimentos nos anos seguintes, como Marchas de Selma a Montgomery, pelos direitos civis no Alabama, em 1965, o ativismo nas ruas contra a pobreza e a Guerra do Vietnã, que também gerou outro famoso discurso, “Beyond Vietnam: A Time to Break Silence”, na Igreja de Riverside, em Nova Iorque, em abril de 1967, fizeram com que o pacifista fosse cada vez mais perseguido pelas forças da extrema direita e autoridades conservadoras.
O famigerado J. Edgar Hoover, diretor do FBI, fez dele alvo do programa de contrainteligência. Os agentes capangas mantinham-se no encalço, divulgavam notícias mentirosas para difamá-lo, enviavam cartas ameaçadoras. Depois de escapar de dois atentados, Martin Luther King foi assassinado com um tiro de rifle na sacada de um hotel em Memphis, em 4 de abril de 1968. O autor, James Earl Ray, que serviu na Segunda Guerra e era conhecido com um militar incompetente, agiu confessadamente por motivos racistas.
No final dos anos 90, um processo civil no Estado do Tennessee chegou à conclusão de que a morte de King foi planejada por membros da máfia e do governo norte-americano. Condenado a 99 anos de prisão, Earl Ray faleceu corrido pelo vírus da hepatite C, 30 anos depois de Luther King, no mesmo mês de abril.
“Digo-lhes hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda tenho um sonho.”
Acima no vídeo, o recorte mais emocionante do discurso.
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