“É um fenômeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.”
- Miguel Torga (1907-1995), poeta, romancista, contista, ensaísta, dramaturgo, memorialista e médico otorrino português, escreveu durante 53 anos seus diários publicados em 16 volumes. É uma leitura cativante, com o fôlego narrativo de um romance, uma espécie de epopeia íntima, onde esmiúça reflexões e crítica social e política.
Tinha 27 anos e três livros publicados quando deixou de assinar seu nome de batismo, Adolfo Correia da Rocha, para assumir o pseudônimo que homenageia Miguel de Cervantes e o poeta Miguel de Unamuno, e sobrenome em referência a uma típica planta de porte arbustivo das montanhas lusitânicas, conhecida por suas raízes fortes, que rompem a aridez das rochas.
Primeiro vencedor do Prêmio Camões, 1989, em toda sua obra os relatos expressam a rebeldia contra as injustiças, seu inconformismo diante os abusos de poder.
O lúcido raciocínio acima está na página 48, anotações do dia 16 de setembro de 1961, no volume Diário IX. Torga escreveu durante o tempo em que viveu na cidade Chaves, com Portugal sob o Estado Novo, regime autoritário, autocrata, corporativista, que durou por quatro décadas e só acabou com a Revolução dos Cravos, em 1974.
O escritor morou cinco anos no Brasil durante a adolescência, no interior de Minas Gerais, onde trabalhou na fazenda de café do tio. Ali teve seu primeiro contato prático com a realidade feudal.
O que ele escreveu nos diários há 59 anos, aplica-se muito bem aos tempos pandemônicos bozolíticos do Brasil de hoje.
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