Sua voz, seus olhos,
Suas mãos, seus lábios.
Nosso silêncio, nossas palavras.
A luz que vai embora, a luz que volta.
Um único sorriso entre nós.
Por necessidade de saber,
Vi a noite criar o dia,
Sem que mudássemos de aparência.
Oh, bem-amado de todos,
E bem-amado de um só!
Em silêncio, sua boca prometeu ser feliz.
Cada vez mais longe, diz o ódio.
Cada vez mais perto, diz o amor.
Uma carícia leva-nos da nossa infância
Cada vez que vejo a forma humana
Como um diálogo de amantes.
O coração tem uma única boca.
Tudo por acaso.
Todas as palavras ditas inesperadamente.
Os sentimentos à deriva.
Os homens vagueiam pela cidade.
Um olhar, uma palavra
Porque eu te amo
Tudo está em movimento
Basta avançar, para viver,
Seguir adiante em direção aqueles que você ama.
Fui em sua direção, sem parar na direção da luz
Se você sorrir, é para melhor me envolver
Os raios dos seus braços entreabriram a névoa.
Colagem de fragmentos de vários poemas do livro A capital de dor, de Paul Éluard, publicado em 1926.
Os versos são falas da personagem Natacha, interpretada por Anna Karina, no filme Alphaville, roteirizado e dirigido por Jean-Luc Godard, quando lhe perguntam “o que é o amor?”
O enredo se passa em uma cidade futurista, título do filme, onde o computador Alpha 60 aboliu os sentimentos de todos os habitantes. Rodado em 1965, Alphaville remete a conteúdos de reflexão e denúncia sobre o controle e coerção do poder estatal sobre o homem, tema de Admirável mundo novo, romance de Aldous Huxley, 1932, assim como a persona da máquina dominadora se assemelha ao Grande Irmão do livro 1984, de George Orwell. E, de certa forma, Alpha 60 antecipa HAL 9000, o computador de 2001 – Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, 1968, que parte do mesmo pressuposto de gerência do pensamento do homem pela tecnologia.
A poesia de Paul Éluard expressa no filme a alma que existe por baixo da frieza dessa névoa, estende os braços que se entreabrem nos enquadramentos simétricos que encarceram os personagens. Godard com sua genialidade e perspicácia, soube muito bem utilizar os versos nos diálogos, como uma carícia que nos leva à infância.
Conhecido como o poeta da liberdade por escrever poemas contra o nazismo, Éluard foi um dos principais nomes do Dadaísmo, e um dos autores que exprimiram representatividade ao movimento literário Surrealista. Seu lirismo deu-se em intensidade e profundidade ao conhecer o grande amor de sua vida, a jovem russa Helena Diakonova, professora, modelo, nascida no meio da intelectualidade do começo do século 20, e anos depois casada com Salvador Dalí. Musa inspiradora para os dois, não à toa assinava, até falecer em 1982, Gala Éluard Dalí.
Em Alphaville, um agente, interpretado por Eddie Constantine, uma espécie analógica de anti-exterminador que vem de algum futuro, chega ao local para convencer o cientista a destruir a invenção, e assim restituir a liberdade dos sentimentos que estão à deriva.
Paul Éluard, com sua poesia alinhavando as palavras ditas inesperadamente no roteiro de Godard, foi igualmente "convocado" à cidade para ir direto ao que se ama, trazer a luz de volta. Se o dia sorrir, é para melhor envolver a noite. Os dispostos sempre se atraem.
Acima, Anna Karina e Godard num intervalo das filmagens. Um olhar vê o cinema em movimento.
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