Mário Faustino e Dylan Thomas, dois gênios, um lá, outro cá.
Faustino, nosso dândi enviesado, parido nas quenturas do Piauí, poeta da terceira geração do Modernismo, apenas um livro publicado, O homem e sua hora, 1955. Traduziu poemas de Thomas, nascido no friorento e cinza País de Gales, autor de versos difíceis para verter noutra língua.
Homem de gestos largos, teatral na recitação dos seus poemas, o pequeno Dylan Thomas foi embalado pelo pai com sonetos de Shakespeare, canções de ninar com os mais profundos versos de meditação do bardo de Avon. Quando foi para os Estados Unidos, no começo dos inquietos anos 50, tornou-se uma espécie de inspiração para aquela turma da geração beat que aprontava todas. Tanto que um moço de Minnesota batizado Robert Allen Zimmerman, que veio a ser um profeta da música folk-rock americana, passou a se chamar Bob Dylan em sua homenagem.
Lá mesmo em Nova York, Dylan, o bardo galês, mergulhou em intermináveis doses de uísque e longos versos destilados de paixão na aurora da poesia, da prosa e do teatro.
“Temos os nossos ossos e os nossos órgãos, a nossa pele e a nossa carne. Há uma fita de sangue a prender o teu cabelo. Não tenhas medo. Tens um tecido de veias à volta das coxas. O mundo passou numa carga sobre eles, o vento caiu em nada, soprando os frutos da batalha sob a lua. Peter ouviu as canções dos pássaros, mas não eram como as que ouvira aos pássaros, no parapeito do quarto, lançar das gargantas. Os pássaros estavam cegos.”
Esse trecho de Uma visão do mar e outras histórias, página 58, publicado postumamente em 1955, parece legendar sua visão num leito de hospital quando faleceu aos 39 anos, em 1953, onde estava internado depois de passar mal ao ingerir 18 doses de uísque e cair no hall do Chelsea Hotel. A quantidade de goles como o título do seu primeiro livro, 18 poemas, de 1934.
A extensa e intensa obra de Dylan Thomas é o mais abrangente lirismo com referências das iluminuras célticas, misturadas com imersões nos significados e significantes do Surrealismo.
Do lado de cá, o nosso piauense Mário questionava a morte insuflando seus mistérios e a mocidade da vida. Pega-se qualquer poema dele e encontraremos um desafio, uma incitação, ou mesmo um louvor: “como todos sabemos / conjugar esses verbos, nomear / esses nomes: / amar, fazer, destruir / homem, mulher e besta, diabo e anjo / e deus talvez, e nada. / Vida toda linguagem / vida sempre perfeita, / imperfeitos somente os vocábulos mortos”, versos de Vida toda linguagem.
Também jornalista, Mário Faustino viajava a trabalho para Cuba e México quando o avião explodiu sobre os Andes. Tinha apenas 32 anos e muito para terminar de uma poesia pulsante. "Maravilha do vento soprando sobre a maravilha / de estar vivo (...) Maravilha de ser capaz / de estar a postos", como bradava no poema sintomaticamente intitulado Juventude.
Foto de Faustino, autor e data desconhecidos.
Thomas, por Lee Miller, 1946, Londres
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