sexta-feira, 7 de agosto de 2020

sexta-feira é o fino da bossa

Em Caetano Veloso, terceiro álbum do baiano, de 1971, gravado em Londres, as músicas refletem bem o estado de espírito de um exilado naquela cidade cinza, longe do sol da Bahia, de um Brasil dominado por uma ditadura militar, enfiando goela abaixo no povo um país tricampeão de futebol para abafar os gemidos no porão. Nada estava tão divino e maravilhoso.
As letras do disco são tristes, melancólicas, cheias de espanto e saudade. E de uma beleza poética e melódica singulares. London, London, a faixa mais conhecida, traduz bem o espírito de um artista saudoso. Caetano descreve, ou descreve-se, em um passeio pelas ruas da capital inglesa, "I'm wandering round and round, nowhere to go", vagando, dando voltas sem direção, sem ninguém pra dizer olá, "I know I know no one here to say hello", e a vontade de voltar pra sua terra faz com que imagine discos voadores que o levassem de volta, "while my eyes go looking for flying saucers in the sky".

A sua versão tão interiorizada de Asa branca, dos mestres Gonzagão e Humberto Teixeira, tem a mesma expressão dessa saudade de todos seus santos amaros, da risada de Irene, do abraço de Bethânia, do colo de Dona Canô.
Caetano Veloso completa hoje 78 anos, exilado de um Brasil lá fora coberto por uma pandemia, cercado por um pandemônio no planalto central do país, onde o sol de reparte em crimes milicianos, sem livros, com fuzis, sem Cardinales bonitas no coração do Brasil.
Caetano em isolamento desde marco, entre leituras e paçocas da Bahia, querendo tocar fogo nesse apartamento com Paulinha perseguindo-o de pijamas, na intimidade confortável, e a jogada de marketing perguntando se vai ter live. Meio dia ele só pensa em dizer não, depois pensa na vida pra levar, e hoje deixa de ser lenda e terá live, ao lado dos filhos, no cenário como num monumento de papel crepom e prata. Tem muita gente a quem dizer olá, sem precisar imaginar discos voadores.
Em acordes acústicos em cinco mil alto-falantes de celulares, Caetano no pátio interno sua Amaralina cantará o Brasil aquarela que resiste e insiste, do tempo da delicadeza, o peito cheio de amores João, Gil, Chico, Pixinguinha, Cartola, Clementina, Carmem Miranda, da, da, da, da... Um poema ainda existe.
Abraçaço, menino de Santo Amaro! Queremos seguir vivendo!
Acima, ensaio da live na espaçosa sala com preventiva estrutura kubrickiana de 2001.

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