sábado, 8 de agosto de 2020

se todos fossem iguais a você

foto Joan Guerrero
Em fevereiro de 1991 o roteiro do meu segundo curta-metragem, O último dia sol, sobre o golpe militar de 64, foi selecionado como representante do Brasil no Tercer Taller de Guion, promovido pelo Instituto de Capatacion Para Creadores de Imagenes Cristianas e Verbo Filmes do Brasil.
Ao lado dos participantes da Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia e México, durante uma semana, na sede da Verbo, em São Paulo, nossos projetos foram analisados, discutidos e orientados pelo escritor, dramaturgo e roteirista Alcione Araújo.
Um dia, logo após a sessão de trabalho, um dos coordenadores do Instituto, Conrado Berning, disse-me que queria me apresentar a uma pessoa, que estava em visita ao local, e desejava conhecer o autor do curta-metragem Um cotidiano perdido no tempo, meu primeiro filme, de 1988.
Curioso, acompanhei Conrado até a sala de entrada. A curiosidade deu um salto para a surpresa ao me deparar com Dom Pedro Casaldáliga, ali na minha frente, o emérito apostólico da prelazia de São Félix do Araguaia, à minha espera. Aproximou-se, abraçou-me e no seu corpo franzino senti a imensidão de um ser humano. A simplicidade como o último grau da sofisticação, como dizia Da Vinci.
Disse que tinha visto meu filme numa apresentação na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e se emocionado com o trabalho, de como consegui retratar a velhice, numa crônica poética audiovisual, de uma maneira pessoal para o universal. Parabenizou-me pelo Prêmio Margarida de Prata, concedido pela instituição como melhor curta-metragem daquele ano, e antes de se despedir e sair, olhou-me com a ternura mais profunda do coração e disse: “Seu filme é a beleza da contemplação crítica.”
Durante aqueles poucos longos minutos, palavra quase nenhuma pronunciei. Só ouvia, em êxtase sereno. Não sabia o que dizer além de “obrigado, Dom Pedro, obrigado”, e não disfarçar furtivas lágrimas, emocionado. Aquela definição final sobre o meu filme foi a mais completa e sincera análise que recebi, assim como aquele encontro foi o mais estimulante que um cineasta estreante poderia ter.
Sempre acompanhei a total dedicação de Dom Pedro à atividade pastoral ligada a causas como a defesa de direitos dos povos indígenas, o combate à violência dos conflitos agrários, o que o tornou alvo de inúmeras ameaças de morte. Durante a ditadura militar, foi por cinco vezes ameaçado com processos de expulsão do Brasil.
Um expoente da Teologia da Libertação, era uma das minhas admirações, como exemplo de missionário que ocupou o seu ofício como defensor dos mais necessitados, pelo direito à vida e contra o autoritarismo institucionalizado.
“Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”, diz o Evangelho de Mateus, capítulo 16, versículo 18. Dom Pedro Casaldáliga, que faleceu hoje aos 92, e passou os últimos anos com a saúde debilitada, sofrendo com Mal de Packinson, edificou sua igreja no coração dos povos na Amazônia, entre as casas de camponeses, ribeirinhos, indígenas, quilombolas...
foto Joan Guerrero

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