No final de 1982 o poeta Cacaso esteve em Fortaleza para participar de eventos literários e lançar seu livro Mar de mineiro.
Acompanhado do poeta Adriano Espínola e do ator de teatro Ximenes Prado, segui para o Colonial Hotel, onde estava hospedado, levando de presente o meu primeiro e recém lançado Roteiro dos pássaros e mais uma “ruma” de livros de autores cearenses.
Ao lado de sua então namorada Rosa Emília, cantora e compositora baiana, Cacaso nos recebeu com um sorriso imenso, braços abertos e o coração ondulado de simpatia como as montanhas de suas Minas Gerais.
O que seria um encontro rápido, a conversa atravessou a tarde e encostou no começo da noite sob a brisa da praia de Iracema.
Rosto juvenil nos seus 38 anos de idade, calça jeans, camiseta branca, chinelos de coro, cabelos longos e óculos de John Lennon, estávamos diante de um dos mais representativos nomes da chamada geração mimeógrafo, da poesia marginal, que agregava pensadores da escrita alternativa, como Chacal, Ana Cristina César, Geraldo Carneiro, Eudoro Augusto, Chico Alvim, Carlos Saldanha, e tantos outros que naquele terrível período da ditadura militar, da década de 70 aos vindouros esperançosos anos 80, articulavam movimentos artísticos em resistência e combate à repressão, mesclavam a alegria, a ironia e deboche criativos em suas obras. A simplicidade como linguagem, o que torna o último grau da sofisticação, como pregava Leonardo da Vinci.
Professor de Teoria Literária da PUC/RJ, Antônio Carlos de Brito, seu nome de batismo, era considerado o teórico daquele movimento de pensamento e desbunde, o que se revela tanto em livros de poesia quanto nos ensaios publicados em jornais e revistas.
Cacaso transitava com naturalidade no meio musical de um dos períodos mais inventivos e férteis da denominada MPB. Dezenas de seus poemas foram musicados por Edu Lobo, Tom Jobim, Djavan, Francis Hime, Toquinho, Nelson Angelo, Novelli, Eduardo Gudim, Zé Renato, Davi Tygel, Miúcha, João Donato, Lourenço Baeta, Sivuca, Macalé, Maurício Maestro, Fernando Leporace, e a mais constante em parcerias, a cantora e compositora Sueli Costa, que gravou em 1975 Dentro de mim mora um anjo, tema da novela Bravo, da Globo, e depois por Fafá de Belém, no disco “Banho de cheiro”, 1978.
Após a tarde no hotel, mantivemos correspondência por um tempo, e enviou-me um exemplar de Mar de mineiro. Em uma de suas últimas cartas, de 1983, Cacaso diz que “este ano quero ver se trabalho num livro de artigos e ensaios, coisas que publiquei na imprensa, revistas, e que agora quero reunir.” Não deu tempo naquele ano nem nos seguintes. Um infarto no miocárdio o tirou de cena duas noites após o natal de 1987.
Dez anos depois a Editora UniCamp publicou Não quero prosa, que reúne todos esses escritos, organizado pela professora e ensaísta Vilma Arêas.
Tinha 43 anos quando partiu, como fizesse o que disse no poema Máquina do tempo: "E com respeito àquele problema do / futuro acho que vou ficando por aqui..."
Cacaso é tema de vários trabalhos de pesquisa acadêmica, e em 2016, o documentário Cacaso - Na corda bamba, de PH Souza e José Joaquim Salles, participou do 21º Festival É Tudo Verdade.
Dentro de poemas, letras de música, monografias, dissertações, teses e na tela de cinema, mora um anjo mineiro que hoje faria 76 anos.
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