"Quando menino, eu gostava muito de brigar. Mal acabava uma peleja, já estava eu disputando outra. E aí chegavam os mais velhos para apartar, empregando aquele ditado popular: você é algum riachão que não se possa atravessar".
Assim o sambista Clementino Rodrigues explicou a origem de seu nome artístico, Riachão, em entrevista ao extinto jornal Diário de Notícias, de Salvador, no final dos anos 70.
Autor de mais de 500 composições, Riachão é uma espécie de sambista-cronista das coisas da Bahia, e por extensão, da alegria e irreverência da saudável malandragem que se manifesta nas rodas de samba, nos batuques do partido-alto, no ritmo do cavaquinho, pandeiro, surdo e agogô da alma brasileira.
Riachão ficou mais conhecido como o autor de Cada macaco no seu galho, que Caetano Veloso e Gilberto Gil gravaram no álbum Expresso 2222, em 1972. Depois do seu primeiro disco em 1960, gravou dois LPs nos anos 70. Em 2001, as novas gerações tomaram conhecimento de Riachão como o compositor de Vá morar com o diabo, na empolgante interpretação de Cássia Eller, registrada em seu último CD, Acústico MTV. A gravação original de Riachão é de 1972, do disco Sonho de malandro.
Os anos 2000 foram favoráveis para a redescoberta do cantor e compositor baiano. O cineasta conterrâneo Jorge Alfredo dirigiu o documentário Samba Riachão, onde conta suas histórias que são verdadeiros relatos das transformações da música popular brasileira nas ruas de Salvador. O filme ganhou o troféu Candango de melhor longa-metragem no 34º Festival de Brasília, 2001, dividindo o prêmio com Lavoura arcaica, de Luiz Fernando Carvalho. Riachão foi ovacionado no palco do cine Brasília, quando na noite de apresentação do documentário cantou de improviso para uma silenciosa e reverente plateia. A divisão do prêmio principal para dois filmes distintos em categorias causou estranheza a todos. “Entrou dendê no tabule”, como observou um crítico do jornal Estado de São Paulo que cobria o evento.
Mesmo aclamado pela mídia e gravando em parceria com Carlinhos Brown, Tom Zé, Caetano Veloso, Dona Ivone Lara, Riachão não teve a projeção merecida. E recolheu-se mais ainda depois de uma tragédia na família: a esposa e dois filhos morreram num acidente de carro em 2008. De lá para cá sua alegria foi se recuperando muito vagarosamente, com a ajuda dos amigos, que o incentivavam a voltar a cantar e gravar.
Preparava músicas para o seu sonhado disco, com o título que ele escolheu como um desejo manifesto, Se Deus quiser vou chegar aos 100. Não conseguiu. Sentiu umas dores na barriga ontem à noite, tomou um remédio e foi deitar. O sambista aconchegou-se ao sono dos dois anos que faltavam e não acordou.
Abaixo, um trecho da entrevista que ele deu ao programa Ensaio, de Fernando Faro, da TV Cultura, em 2001, em que conta como surgiu a sua primeira composição.
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