domingo, 22 de março de 2020

o colecionador

foto acervo da família.

“Há uma diferença muito grande entre um pesquisador, historiador e o colecionador. Mas no Brasil a deficiência é tão grande de objetos a serem pesquisados nos museus, que qualquer um que se meta a historiar ou a pesquisar — e qualquer brasileiro tem direito a isso, independente de sexo e idade, porque a pesquisa e o amor a verdade histórica é algo que nasce com a pessoa — tem que ser, antes de mais nada, um colecionador. Por isso é que acho que as coleções são indispensáveis.”

- Christiano Câmara, pesquisador, historiador, colecionador, e tudo que o significa a memória da cultura musical brasileira. Guardava também centenas, em cópias VHS, de filmes dos estúdios hollywoodianos até os anos 50, período que ele, com muito humor e convicção, considerava o melhor.
20 mil discos de cera, vinis, fotos, revistas e enciclopédias, estavam guardados e sempre à disposição de quem quisesse visitar a casa-museu-acervo de Christiano, ali, no centro da cidade de Fortaleza, por detrás da Catedral, numa transversal da subida da rua Rufino de Alencar, no meio da rua Baturité, onde o olhar descia para a praia de Iracema. travessa Baturité, ou Rua da Escadinha, 162, título do documentário curta-metragem realizado em 2003 pelo sobrinho Márcio Câmara, onde relata a trajetória do tio historiador autodidata, bancário aposentado, e uma das maiores referências de cultura no Brasil.
Sempre que se batia palmas – como antigamente – ao portão de ferro, ‘seu’ Christiano aparecia lá da entrada da casa, pelo corredor aberto lateral. Com um sorriso e largas bermudas de quem sabe ficar em casa e viver criativamente a aposentadoria, recebia o visitante, adentrava e nos guiava pelo paraíso da memória, mesmo se a pessoa conhecesse, tivesse vindo outras vezes. Era sempre o primeiro dia de tantos outros para tanta coisa a se admirar.
Christiano nos conduzia pelas estantes, mostrava as raridades, abria os vinis e colocava uma faixa para ouvir. Enquanto ouvíamos a música, ouvíamos também a legenda de suas informações, datas, casos, histórias que, inevitavelmente, envolvia os ouvidos e o coração. Como se não bastasse aquele longo e afetivo passeio pela história da música brasileira dos anos 1910 à década de 50, o visitante era acolhido à mesinha na varanda para um café com tapioca, sempre servido por sua esposa, dona Douvina, 58 anos juntos.
O trecho acima é da entrevista que Christiano Câmara concedeu ao site A Nova Democracia, em setembro de 2003. Em 2016, na madrugada do dia 22 de março, o memorialista faleceu, aos 81 anos, em decorrência de problemas cardiorrespiratórios, depois de dois meses hospitalizado.
Há quatro anos não subimos mais a rua da Escadinha.

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