foto Juca Varella, 2003
No final dos anos 80 fui a produtora do documentarista Primo Carbonari, em Barra Funda, zona oeste da capital paulista. Atencioso, ouviu minhas informações e meu pedido sobre uma pesquisa que estava fazendo para um trabalho.
Impressionou-me aquele senhor gordo, tipicamente italiano, como um personagem vindo de um filme de Fellini para outro de Ettore Scola. Bastante reservado, calça largas de linho cinza, suspensórios, usava pares de lentes grossas improvisadas em uma armação de óculos de soldador, o que já remetia a protagonista de filmes dos irmãos belgas Dardenne. A peculiaridade dos óculos dava-lhe precisão para manusear películas 16 e 35mm, ajustar as lentes das câmeras, acionar a moviola, e ler os jornais de letras miúdas quando as visitas saiam.
Ele me guiava pelos labirintos de corredores abarrotados de estantes de ferro com latas e latas e latas com mais de 13 mil rolos de filmes. O cheiro de celuloide poderia ser sufocante para quem não fosse um apaixonado pela magia do cinema. Quilômetros de imagens de cinejornais naquelas prateleiras, muitos que vi antes das projeções dos clássicos europeus, dos westerns de John Ford e os spaghetti de sua Itália imigrante. Estava eu ali, entre as obras guardadas em minha memória afetiva, guiado na galeria por seu total criador. Era como entrar no útero de uma parte do cinema.
Primo Carbonari foi responsável durante 45 anos pelo Cinejornal, informativo veiculado nas salas de cinema de todo o país com as mais variadas notícias. De 1929 a 1990, registrou imagens que marcaram o desenvolvimento da indústria, as pesquisas e progresso da medicina, os momentos históricos do esporte, os movimentos culturais, os desfiles das escolas de samba, e principalmente a política, que era seu tema predileto. Carbonari filmou as posses de Getúlio aos presidentes da ditadura militar, e o enterro de Tancredo Neves.
Em 2003 o cineasta Eugênio Puppo iniciou um projeto para recuperar e catalogar o riquíssimo acervo, e finalizar o trabalho em um documentário que contasse a recente história do Brasil através das lentes de Carbonari. Acervo que ele adequadamente chamava de AmplaVisão. O projeto não foi concluído, por questões com os herdeiros.
Primo Carbonari faleceu em 2006, no começo da noite de 21 de março, de problemas causados pela obesidade, aos 86 anos. Em 2012 li no Jornal GGN que um processo, em que envolve a produtora de Eugênio Puppo e a filha do documentarista, Regina Carbonari, corria na 1ª Vara Cível do Foro Regional de Santana. E nesse impasse, a história em decomposição química pela inadequada conservação dos rolos de filmes.
Mesmo sem pretensão, Carbonari tornou-se um dos maiores documentaristas brasileiros. Um dos primeiros com uma ideia na cabeça perseguindo a notícia e uma câmera 16mm na mão apreendendo o fato.
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