sábado, 4 de julho de 2020

o último baile

Em Chega de saudade, segundo longa de Laís Bodanzky, 2007, a história se passa em uma noite de baile, num clube de dança na Lapa, São Paulo. Do final da tarde até o começo da madrugada, os frequentadores conversam, bebem, dançam em volta de seus dramas, no ritmo de suas alegrias, no compasso do tempo passado.
Abordando o amor, a solidão e outros precipícios do coração, entre a diversão necessária e o drama que se assume, a trama gira em torno de cinco núcleos de personagens, entre eles os idosos interpretados por Tonia Carrero, a preocupada Alice, e Leonardo Villar, o rapugento Álvaro em conflito com culpas pretéritas.
Uma cena se destaca no filme. Quando Alice se afasta para falar com amigos, o enquadramento fecha em Álvaro. Ele olha em volta, deslocando-se na memória. Lembra de sua falecida esposa. A música diminui. A imagem da mulher, interpretada por Selma Egrei, aparece. Ambos ficam em primeiríssimo plano, na intimidade de outra dimensão, no recorte de um tempo dentro de outro. No curto e preciso diálogo, delineado pelo abstrato da visão e a solidez da contrição, o que se acusa e o que se rebate é realçado pela letra da clássica canção Lama, na voz presente de Elza Soares, quando a música volta e o vulto da mulher desaparece.
Cada verso enfatiza o desconsolo (“quem foste tu / quem és tu / não és nada / se na vida fui errada / tu foste errado também”), e a compunção (“se eu errei, se pequei / não importa / se a esta hora estou morta / pra mim morreste também”) dos personagens que se reencontram e se desencontram de novo.
Premiado no Festival de Brasília, com os Candangos de melhor roteiro, direção, melhor filme pelo juri popular, foi ovacionado de pé ao final da exibição. Foi o último trabalho do grande Leonardo Villar, falecido ontem aos 96 anos. Quase um século de personagens emblemáticos no teatro, no cinema e na televisão.
Com gratidão, os aplausos daquela noite no cine Brasília reverberam hoje com a saudade que chega.

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