“O que é que se vê nesta ilha, que no mundo não tem comparação? Nem uma vida, nem duas vidas, nem quatro vidas, nem dezoito vidas bastariam para se aprender tudo o que há na ilha. Sabe-se de gente que está nela faz mais de quarenta ou cinquenta encarnações e, a cada reencarnação, por mais bem vividas que tenham sido as anteriores, o encarnado pode até pensar que já compreende muita coisa, mas, quando fica velho, vê que não compreende quase nada, precisa voltar sabe-se lá quantas vezes - Deus não tem pressa nenhuma, para Ele tudo é ontem, hoje e amanhã, só quem vive dentro do tempo somos nós. Para ficar apenas num exemplo, quem compreende os mangues, todas as suas plantas, todos os seus mosquitos, todas as suas mutucas, todas as suas locas, todos os seus siris, sururus, caranguejos e aratus? Ninguém, por mais escolado. E assim, tudo mais, das pedras enterradas aos bichos voadores, o que se conta sempre podendo ser verdade ou mentira, nada se logrando provar com prova provada mesmo.
Mas alguma coisa sempre se sabe, tirado mais daquilo que se sente do que daquilo que se vê. Por exemplo, sinta o ar."
- Trecho do livro Miséria e grandeza do amor de Benedita, página 10, de João Ubaldo Ribeiro, romance de 2000, o primeiro livro lançado no Brasil em formato e-book.
Mesclando uma narrativa de suspense e humor, conta a história de Deoquinha, uma espécie de Don Juan nordestino, ambientada na ilha de Itaparica. Casado com a ingênua Benedita, a morte do personagem central é o ponto de partida para a trama que reconstrói toda a sua trajetória de conquistador.
A empreitada digital, dentro de um projeto proposto a João Ubaldo pela editora Nova Fronteira e a virtual Submarino, teve mais de 7.000 downloads logo na primeira semana. Lançado no formato tradicional meses depois, o escritor se incomodava por ter tido apenas duas críticas, no Estadão e no Globo, apesar de várias reportagens sobre o sucesso da venda digital. Achava que foi encarado apenas como uma novidade no mundo eletrônico, e não no literário.
Na foto abaixo, de Edu Simões, 1999, João Ubaldo em frente a sua casa, no mesmo ar de Benedita, em sua natal Itaparica.
Seis anos hoje que ele partiu de vez para outra casa dos Budas ditosos.
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