segunda-feira, 13 de abril de 2020

o coração nativo de Moraes Moreira

A beleza desse verso é da letra de Coração nativo, de Fausto Nilo, musicada por Armandino e Moraes Moreira, gravada no disco Lá vem o Brasil descendo a ladeira, o quarto solo depois que o cantor saiu dos Novos Baianos.
Lançado em 1979, o álbum é uma obra-prima da música popular brasileira. Estão lá onze faixas que Moraes assinou em parceria com um time da mais alta qualidade de poetas e compositores: além de Fausto e Armandinho, Abel Silva, Jorge Mautner, Rizério, Antonio Cícero, Oswaldinho do Acordeon e Pepeu Gomes.
A fusão do samba com choro acelerado, o frevo e o xote, o encontro da guitarra de trio elétrico com a sanfona, do piano com o bandeiro, dos metais com a viola sertaneja, do agogô com o bandolim, dão ao disco um timbre carnavalesco inovador.
De um lado, depois de Chão da praça, o frevo ganhou uma contemporaneidade que se perpetuou muito além dos fevereiros, pela alegria coreografada na interpretação de Moraes Moreira e a letra de Fausto, alegórica dos antigos carnavais: “Eu era menino, menino / um beduíno com ouvido de mercador”.
Do outro lado, há tempos que um coração apaixonado não fazia um “relatório” poético das cidades e seus amores, na criativa e jocosa letra de Pelas capitais, de Mautner: “Lá em Maceió você de mim não teve dó” (...) “Já em Campo Grande nosso amor foi muito grande” (...) ”só em Salvador eu conquistei para sempre o seu amor”.
No acústico MTV, de 1995, Moraes conta que "Numa daquelas ladeiras maravilhosas do Rio, João Gilberto viu uma mulata descendo de manhã com todo o suingue, toda energia, partindo pra vida, mas sem se queixar de nada. Ele olhou e disse: 'Olha lá o Brasil descendo a ladeira'. E daí nasceu essa música".
A faixa-título, feita com Pepeu Gomes, é como resumisse a grandiosidade das demais composições do álbum. Uma radiografia afetiva da bola, do samba, da sola, do salto e a cadência da mulata na pintura de Di Cavalcanti. Enquanto descia a ladeira, subia a riqueza da música do Brasil brasileiro lindo e trigueiro.
O coração nativo de Moraes Moreira tinha 32 anos quando lançou esse disco, mas desde quando integrava o grupo Novos Baianos já demonstrava o valor daquela gente bronzeada, e eles fizeram o Tio Sam tocarem bandeiro para o mundo sambar.
No avarandado da música brasileira, debaixo do coqueiro que dá coco, amarra-se a rede nas noites claras de luar. E quem balança a rede quer sonhar.
Valeu, Moraes! Quem desce do morro não morre no asfalto.

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