Foto Daniel Mordzinski
Um falso trecho, atribuído ao livro O amor nos tempos do cólera, 1985, de Gabriel García Márquez, está sendo repassado em aplicativos, divulgado em sites e redes sociais.
Com uma mensagem otimista sobre estes tempos de pandemia, a intenção é válida, mas a atitude em si é irresponsável: creditar o nome de um escritor famoso, de uma obra exemplar da literatura mundial, não tem justificativa nem em tempos de coronavírus.
O fragmento é do livro O capitão e o marinheiro, do italiano Alessandro Frezza, 2007.
O fragmento é do livro O capitão e o marinheiro, do italiano Alessandro Frezza, 2007.
Quem divulgou, que confirme antes, até porque é nobre o gesto de estarmos todos juntos, disseminar a esperança na proporção do vírus que avança. A rapidez que as redes sociais apresentam não pode absolver possíveis falhas desse tipo. Explica, mas não justifica.
O suposto diálogo se dá entre um capitão de um navio e um menino que reclama por estar em quarentena, não poder descer à terra firme, ver os amigos etc e tal.
Primeiro: o barco existe, mas não dentro desse contexto, e muito menos esses personagens se encontram no livro. Existe o comandante Samaritano, e não um “capitão”. E quem é esse menino?! E todo o enredo da história se desenvolve entre um triângulo amoroso, a peste é quase um pano de fundo na dramaticidade.
Segundo: a estrutura do diálogo não é o estilo da literatura do escritor colombiano. As falas dos personagens em sua obra são curtas, e muitas vezes inseridas na narrativa da terceira pessoa. O feitio desse diálogo atribuído está mais para literatura dita de autoajuda do que para a bela e desconcertante escrita de realismo fantástico de Márquez.
Desculpe aí, Gabo. Fique em sua quarentena em outras dimensões. Aqui está surreal demais.
Acima, o escritor em sua casa, Cartagena das Índias, Colômbia, 2009.
Um comentário:
Fui uma das que embarcou nos creditos ao Gabriel Garcia Marques. Acabei de reler o livro e realmente o diálogo, além de completamente fora do estilo do autor creditado, não existe no livro "O amor nos tempos do cólera".
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