quinta-feira, 30 de abril de 2020

silêncio no samba

foto Igor Bigone
No dia 19 de abril do ano passado uma postagem no Instagram da filha de Beth Carvalho, Luana, despedindo de sua babá, a quem considerava como segunda mãe, confundiu internautas que divulgaram a morte da cantora. "E lá se vai a mulher que me criou. Amor eterno, obrigada por tudo“, dizia o post.
Mas no dia 30 do mesmo mês a notícia não foi engano, e partiu a artista exemplo de personalidade engajada nos movimentos sociais, políticos e culturais do país. Filha de militante cassado e perseguido pela ditadura militar, Beth Carvalho fazia da música sua vida, da vida sua guia na arte.
Para a madrinha do samba, um minuto de silêncio em um ano de saudade, com suas canções em nossa roda de samba e memória. O bom samba é uma forma de oração.

naquele ano passado eu morri mas este ano eu não morro

Três anos hoje que ele se encantou como uma nova invenção.
Escute Belchior, #fiqueemcasa

quarta-feira, 29 de abril de 2020

começaria tudo outra vez

foto Geraldo Guimarães
Um dos mais fortes contestadores do regime militar, Gonzaguinha tem em sua obra de 17 discos, nas letras e canções, a postura determinada herdada da mãe, Odaléia dos Santos, compositora e cantora da noite, que não abria mão de sua arte. De postura avançada para a época, recusava-se a ficar em casa, bela e recatada, como queria Gonzagão.
Odaleia tinha apenas 22 anos quando contraiu tuberculose, a chamada peste branca naqueles anos 40, doença contagiosa, fatal, uma sentença. Depois de meses e meses internada em sanatórios em Petrópolis e Santos Dumont, Minas Gerais, não resistiu à doença.
Antes de Odaléia falecer, Gonzaguinha, com dois meses de idade, e para preservar a saúde, foi retirado dos braços da mãe e entregue aos padrinhos, um casal amigo de Gonzagão, Dina e Henrique, que moravam no Morro de São Carlos, no Estácio, Rio de Janeiro. Até os dois anos, o menino via a mãe em rápidas visitas. E o pai também pouco encontrava, no começo de carreira, fazendo shows, já antecipando “minha vida é andar por esse país...”
Os títulos dos discos de Gonzaguinha resumem a grandiosidade explosiva de demarcação poética, cívica e maternal na história da música brasileira:
- no primeiro e no segundo, 1973, 1974, ambos Luiz Gonzaga Jr., apresenta-se e insiste com seu nome na cara do governo mais cruel da ditadura militar, Médici;
Plano de voo, 1975, mostra as cartas de navegação de seu pensamento musical para o governo Geisel que esboçava abertura política;
Começaria tudo outra vez, 1976, avisa que naquele período de ensaio placebo de abertura, repetiria o mesmo plano de resistência na arte e no discurso;
Moleque Gonzaguinha, 1977, lembra a força do filho de Odaléia nos braços seguros de Dina, a nova mãe do franzino quimbundo mu’leke africano que subiu o morro de São Carlos. Naquele ano, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a independência de Angola e Moçambique que se tornaram, logo após a independência, socialistas;
Recado, 1978, quando o país oscilava e processava uma distensão “lenta, gradual e segura", como diziam os militares, recorre à lembrança mátria na canção Odaléia, noites brasileiras, uma das mais belas homenagens de um filho para a mãe que nunca partiu em suas noites, e continua como “estrela guia” no solo pátrio;
- de 1979 a 1990, Gonzaguinha na vida, De volta ao começo, Coisa mais maior de grande – Pessoa, A vida de viajante, Caminhos do coração, Alô, alô, Brasil, Grávido, Olho de lince, Gerais, Corações marginais, Luizinho de Gonzagão Gonzaga Gonzaguinha, atestam e testemunham tanto uma nova estrutura política no país, com as Diretas Já, Constituição de 1988, Nova República, quanto uma nova disposição familiar, pessoal, de reencontro com pai Gonzagão.
E também, com ternura, mas sem perder a dureza naquele 1988 da maldição dos vices, com Sarney no comando, avisa que “a gente não está com a bunda exposta na janela / pra passar a mão nela”.
Na manhã de 29 de abril de 1991, com o Brasil sob a presidência do marajá das Alagoas, o carro de Gonzaguinha bate de frente com um caminhão, em uma estrada no Paraná, ao regressar de uma apresentação na cidade Pato Branco. Ele se dirigia para Foz do Iguaçu, de lá iria de avião para Florianópolis, onde tinha um show agendado.
A súbita morte do cantor, aos 45 anos, deixou um vazio na música brasileira, insubstituível como tudo que é uma só vez na vida.
Nestes tempos de vírus no ar e vermes almas sebosas no poder, com certeza Gonzaguinha começaria tudo outra vez e bradaria "a gente quer viver numa nação / a gente quer é ser um cidadão".

segunda-feira, 27 de abril de 2020

lanterna mágica

Poty
o mesmo nome das águas
que banhavam o meu corpo:

                                        rio

o mesmo nome da correnteza
que lavava a minha alma:
                                    cinema.


E caminhava o menino
em direção ao cine poty do ‘seu’ dedé
(como disseram que caminhava assim o meu bisavô
de bengala e chapéu para a tela muda)


o suor vespertino nas axilas
molhava a máscara do zorro
nas páginas do gibi


a troca das revistinhas no chão da calçada
à espera do quadrado da bilheteria abrir
o ingresso impresso na tipografia do ‘seu’ mimoso
as cadeiras de madeira nas costas miúdas
o ventilador barulhento feito um catavento


luz da lanterna mágica por trás de todos
mostrando na parede de cal
o mundo colorido em preto-e-branco:


(a cachoeira que humberto mauro
me banhou quando cresci)

:
24 quadrinhos por segundo
movimentavam em minhas retinas


loone ranger
                  e eu cavaleiro solitário
                  igualmente tonto

tim holt
           meu primeiro caubói
           do tempo das diligências

tarzan
         que eu não sabia pronunciar
         nem nadar como ‘jonivesmule’

carlitos
           eu garoto em sua ribalta
           órfão em minha estrada.


Eles se recolhiam na escuridão da cabine
quando as luzes acendiam e o vento apagava


o olhar oblíquo do menino imaginava-os
quietos
           cansados
                         sagrados

nos rolos dentro das latas dentro de mim:
35mm de extensão em meu coração.


A noite começava na rua pedro primeiro
: o menino foi ao cinema
e perdeu-se
no caminho
de volta
para casa.


Longe da sala do ‘seu’ dedé,
era tudo tão real, tudo tão feio.


E o mundo, o mundo, o mundo...
se eu me chamasse drummond
não seria sol nem unção
seria siriará sina sertaneja.

........................................................................................
Trecho do meu próximo livro
Trem da memória – um poema
Editora Radiadora
Coordenação editorial: Alan Mendonça
Prefácios:
duas viagens no trem
- Valdi Ferreira Lima
- Mailson Furtado

Lançamento que teria sido nas águas de março do rio Poty foi adiado para quando toda essa enchente virótica passar, e os 'hábraços' voltarem.
Foto ilustrativa para esta postagem:
o ator Salvatore Cascio em um frame de Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, Itália/França, 1988, ano em que dirigi meu primeiro curta-metragem, Um cotidiano perdido no tempo, rodado em Crateús, Ceará, cidade em que a memória viaja nas 88 páginas do livro-poema.
A simetria do infinito no cinema e na literatura em minha vida finita.

domingo, 26 de abril de 2020

última sessão

foto Allef Fragoso, 2017
Uma nota de lamento pelo falecimento hoje do amigo Wilson Baltazar, crítico de cinema, em Fortaleza.
Fomos colegas de faculdade na UECE, parceiros no jornal O Povo escrevendo semanalmente na página organizada por Frederico Fontenele Farias, nos anos 70 e 80.
A ele devo muito do meu acervo de material informativo sobre cinema, reportagens, artigos, fotos, livros, revistas. A ele devo muito a companhia nas sessões nos cines Diogo, São Luiz, Art Palácio. A ele devo muito as conversas depois dessas sessões a caminho de volta para casa quando a cidade era um filme de tranquilidade à noite.
Dividíamos a mania - que ainda tenho - de anotar em cadernos todos os filmes que assistíamos, com a ficha técnica, um resumo, uma cotação, um esboço de crítica que depois desenvolvíamos no jornal. A minha frente na idade e conhecimento, ele sempre tinha visto uma quantidade de filmes que nunca superei - via três "fitas" por dia, mais 50 mil durante toda sua vida, como relata no documentário feito sobre ele, Cinemeiro, de Gabriel Petter, 2017.
Anoto hoje no meu caderno, meu caro Wilson, que a Convid-19 que o pegou na estava na programação.

persona grata

Poema Persona grata, do livro Poesia provisória, Editora Radiadora, 2019.


Gratifica-me ouvir a música de sua leitura em meus versos, poetamiga Marta Pinheiro.

sábado, 25 de abril de 2020

no meio de olhares espio

Paulo Vanzolini, o autor do famoso samba-canção Ronda, aquele do andarilho, ou andarilha, à procura de quem não lhe quer mais, era zoólogo de formação.
Assim como, por exemplo, os escritores Pedro Nava e Moacir Scliar sobreviviam e felizes viviam (até onde se sabe) de suas profissões de reumatologista e sanitarista, respectivamente, o compositor paulista curtia demais seus afazeres diários no ramo da biologia estudando os répteis e anfíbios, sua especialização.
Mas compor música não era um hobby. Até porque não se trata a arte como passatempo. E tempo não se passa: se vive. Paulo Vanzolini criava como prolongasse sua formação para entender esse bípede chamado homem e sua complicada alma anfíbia. Com certeza, os animais tinham mais definição e uma convivência aprazível.
Volta por cima, na voz de Noite Ilustrada, Na Boca da Noite, que compôs com Toquinho, são outras de tantas canções que se consagraram também pelo conteúdo dramático dos enamorados, dos amantes e seus abismos.
Ronda, de 1953, gravada inicialmente por Inezita Barroso, é uma crônica de amor e morte nos bares e ruas de São Paulo. Apesar de não ser sua canção preferida - como revelou em uma entrevista - é a que melhor resume esse olhar analítico dos queixumes nos centros urbanos.
No mesmo mês de abril, Vanzolini veio e foi embora. Hoje faria 96 anos. Partiu três dias depois para outras rondas há sete anos.

Portugal, manda um cheirinho de alecrim para mim

cá estamos carentes

sexta-feira, 24 de abril de 2020

ratos desmoronando


Ratos, temerosos roedores, com seus músculos miúdos, olhinhos amedrontadores luzindo nas trevas dos esgotos... invadem as casas, as cidades, o país. Numa longe localidade, restaurada do nada, eles promovem o VII Seminário dos Roedores, evento onde reúne os burocratas, sob a coordenação do Secretário do Bem-Estar Público e Privado, sempre ladeado do seu Chefe de Relações Públicas. Aquele país cada vez mais atravancado pelos mecanismos, os expedientes de papelocracia que invertem a proporção dos roedores em relação ao número de homens: cem por um.
Esse é o resumo de Seminário dos ratos, um dos quinze contos no livro homônimo de Lygia Fagundes Telles, lançado em 1977.
A escritora, que completou 97 anos no dia 19 deste mês, com uma narrativa  alegórica que mescla realidade e fantasia, o fantástico e a lógica racional, apresenta uma reflexão política e social do que vivemos em períodos de contenção de liberdade, de domínio pela força, de aniquilamento dos nossos direitos pela mentira e adestramento. O livro foi escrito em uma das décadas mais cruéis da ditadura militar no Brasil, a era Geisel herdada de Médici e entregue a Figueiredo.
Todos os textos, na simbologia do horror e do asco, exprimem a distopia, a perplexidade, o poder na mão dos homens sem alma. Na capa das primeiras edições do livro, dois ratos erguem estandartes com bandeiras, à frente de uma figura estilizada, uma espécie de monstro-rei. A ilustração sugere que será tanto protegido quanto retirado do trono pelos roedores. É da natureza a vilania de quem se merece. E no conto-título, Lygia coloca como epígrafe os versos finais de Edifício Esplendor, de Carlos Drummond de Andrade, “– Que século, meu Deus! diziam os ratos. / E começavam a roer o edifício.”, um dos doze poemas publicados no pequeno-grande livro José, o quarto do itabirano, 1942.
A abertura do conto, o conto, o livro, tudo é atualíssimo no Brasil de agora, nestes tempos pandêmicos, em que pestes, ratos e marrecos, depois de infectarem as cabines, pulam fora na tentativa em direção ao trono lá na frente.
Que século, meu Deus! - diremos os homens.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

por onde tens andado

Gravada no décimo disco de Jerry Adriani, Pensa em mim, de 1971, a singela faixa de abertura Doce, doce amor fala da perda de uma paixão, que sumiu há uma semana, sem saber ao certo qual foi o motivo, que já andou pelas ruas, em todos os lugares à procura sem encontra-la, mas vai acha-la seja onde for...
Composta por Raul Seixas e Mauro Motta, a aparente ingenuidade da canção trazia uma mensagem subliminar. Foi entregue pelos autores a Jerry uma semana após a decretação do famigerado AI-5, em 1968, e guardada por três anos. A letra de Raulzito expressa o fim da liberdade, o golpe fatal na democracia dentro do golpe (“sem mais e nem menos eu perdi você”).

Jerry Adriani foi quem mais ajudou Raul Seixas no começo da carreira, levando de Salvador para o Rio de Janeiro a banda Raulzito e os Panteras. A amizade rendeu composições e produções de discos entre ambos até começo dos anos 70.
Abaixo, os dois cantam juntos a composição no Programa J. Silvestre, TV Bandeirantes, 1983.
Três anos hoje que Jerry partiu atrás de Raulzito.

ah, se tu soubesses como sou tão carinhoso...

Em novembro de 1957 o cantor e trompetista Louis Armstrong esteve no Brasil para uma turnê com shows em São Paulo e Rio de Janeiro, então Capital Federal. Foi recebido pelo presidente Juscelino Kubitschek, encontrou-se com o ator Grande Otelo, os cantores e compositores Dorival Caymmi, Elizete Cardoso, Lamartine Babo, Fernando Lobo, foi homenageado com um banquete no Palácio Laranjeiras, onde cantou acompanhado por Sivuca... mas foi com o maestro, flautista, saxofonista, compositor Pixinguinha que o músico norte-americano mais afinou amizade.
A histórica foto acima, um flagrante de Luis Edgardi, da revista O Cruzeiro, simboliza bem o dia em que o jazz e o chorinho se encontraram.
Hoje é aniversário de nascimento de Pixinguinha, 123 anos. A data foi escolhida para comemorar o Dia Nacional do Choro, gênero que mescla princípios da música africana e europeia, como a polca, e expressa uma melancolia resultante dos elementos e modulações de sons plangentes.
Quando o já denominado choro entra na nossa cena musical, era tocado por instrumentistas de bandas militares, e, principalmente, por operários da indústria têxtil e funcionários públicos. Pixinguinha trabalhava nos Correios, e tornou-se o maior compositor do gênero, apresentando-se nos cabarés da Lapa e teatros de revista, acompanhando cantores como Mário Reis e Francisco Alves, e participou de vários grupos instrumentais como Caxangá, Oito Batutas e o regional de Benedito Lacerda.
A melodia de Carinhoso foi composta em 1917, e posteriormente colocada letra por João de Barros. Somente nos final dos anos 30 tornou-se mais conhecida, com a gravação de Orlando Silva. Pixinguinha foi criticado por ser influenciado pela forma sincopada do jazz. Ele não se incomodou com o tom dessas observações, sabia que a variedade melódica, harmônica e rítmica de cada um dos gêneros tinha origem na cultura popular, na fascinante criatividade das comunidades negras.
Pixinguinha e Armstrong devem ter conversado muito sobre isso no encontro nos jardins do Palácio do Catete, onde a foto foi feita.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

o poeta e a chuva

chuva
hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele
e parece sua sombra
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta se entra em muitos lugares
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher / nem na alma
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje / que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e somente a alma sabe onde os dois se encontram
e quando / e como
mas o que pode a alma explicar?
por isso meu vizinho tem tormentas na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que há entre duas rosas
ou como eu / que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva / ao meu coração desterrado.

O poema, tocante, profundo como chuva na alma, é de Juan Gelman, uma das principais vozes da poesia latino-americana, em seu livro Isso, de 1984, lançado no Brasil somente em 2004, pela Editora UnB, com tradução de Leonardo Gonçalves. A obra é uma de apenas cinco em português da vasta bibliografia poética de 35 títulos.
Nascido na Argentina, está para eles como Drummond para nós. Gelman recebeu quase 40 prêmios e distinções, de 1980 a 2011, pelo mundo todo, entre eles o importante Prêmio Miguel de Cervantes, em 2007.
O poeta foi uma das vítimas da cruel ditadura militar na década de 70, obrigado a abandonar seu país. Em 1976, seu filho Marcelo e a mulher, grávida, desapareceram. Somente em 1989 o pai encontrou os restos mortais do filho. Em 2000, após uma busca de décadas, pôde encontrar sua neta, que tinha então 23 anos.
Juan faleceu na cidade do México, no começo de 2014, aos 83 anos. Partiu na chuva, com o coração desterrado, sem encontrar os restos mortais de sua nora, Claudia.

B.R.A.S.I.L.

Quadro Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, 1500, óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva, pintor que se destacou, na passagem do século 19 para 20, por seu trabalho que retrata importantes fatos, datas e personagens da história brasileira.
Retrato de Joaquim José da Silva Xavier - Tiradentes, Fundação da Cidade de São Paulo, Combate de Botocudos em Mogi das Cruzes, A Renúncia de Ser Rei, Índios a Bordo da Capitânia de Cabral, são algumas dessas obras, todas sob guarda e expostas no Acervo do Museu Paulista da USP.
O quadro reproduz a invasão do fidalgo, comandante militar, navegador e explorador português, creditado como o "descobridor" pela história oficial, na costa de Porto quando-era-seguro, na Bahia-quando-era-de-todos-os-Índios. Foi a pintura de estreia de Oscar Pereira da Silva no gênero nacionalista, em 1900.
A obra foi vendida ao governo paulista, que a partir de então passou a encomendar ao artista pinturas históricas, com o propósito de construir, digamos, uma narrativa crônica e memoranda da nação. São Paulo, governado pelo Partido Republicano Paulista, a primeira legenda com os ideais republicanos, pretendia claramente se destacar como estado que então liderava a jovem República brasileira.
O título da postagem é a sigla do que Chico Anysio traduziu, com a perspicácia e o humor inteligente que nos fazem uma falta danada, em um dos seus primeiros stand-ups, em 1974, como:
Bravos
Rapazes
Americanos
Silenciosamente
Irão
Levando.

terça-feira, 21 de abril de 2020

aos homens de nosso tempo

foto Maurício Nunes
"Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa rapacidade
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes."

- trecho de Poemas aos homens de nosso tempo, de Hilda Hilst, publicado no livro Júbilo, memória, noviciado da paixão.
Lançado em 1974, no período mais cruel da ditadura militar, derramando “o sangue das gentes” brasileiras, o livro, e especificamente o poema, é extensivo a estes tempos pandêmicos de políticos almas sebosas como o presigárgula, esse gambá fedorento que preside o nosso país. #Elenão e seus seguidores dementes que escolhem “ouro, conquista, lucro, logro” em vez da vida.
Hilda Hirst, a grandiosa senhora obscena, faria hoje 90 anos - ela que sabia tanto das almas dos homens em sua poesia.

se não for por amor, será pela dor?

fala lúcida, emocionante e oportuna do ator Allan Souza Lima

adeus, promessas

"Depois de todas as constatações, é possível extrair uma conclusão de significado doloroso: o meu erro histórico foi ter retornado ao Brasil, após ter dirigido o filme mais premiado do mundo, em 1962. Se a sensibilidade fosse maior que a saudade, teria aceito um dos diversos convites que recebi para dirigir em Hollywood, na França e na Índia. Se me fosse dado o poder de refazer a minha história, jamais retornaria ao meu país para ser alvo de esculhambação da crítica e de desfeita dos agentes ditatoriais."

O ator e cineasta Anselmo Duarte, nas páginas finais da biografia Adeus, cinema, escrita por Oséas Singh Jr., 1993, ao falar sobre tudo que envolveu a produção e repercussão de O pagador de promessas, o primeiro e até agora o único filme brasileiro a ser premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Apesar da amargura em alguns trechos, o cineasta é de uma elegância em todas suas palavras nesse livro-testamento, um depoimento que comove pelo coração em tela aberta.
Falecido em 2008, hoje é centenário de nascimento. Palmas de ouro!

os anônimos brasilienses


foi traído e não traiu jamais...

“Um radical entre moderados, um franco entre dissimulados, ele defendia – publicamente e em qualquer lugar (de bordéis a residências de ricos mercadores) – uma revolução que tornasse Minas Gerais independente de Portugal. ‘Era pena’ dizia o alferes, ‘que uns países tão ricos como estes [as Minas Gerais] estivessem reduzidos à maior miséria, só porque a Europa, como esponja, lhe estivesse chupando toda a substância’”.
- Trecho do livro Boa Ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697-1810), do jornalista e escritor Lucas Figueiredo, página. 295, lançado em 2011. Com uma pesquisa de precisão cirúrgica na história do Brasil, o autor relata como nossas riquezas minerais foram roubadas e pulverizadas para a Europa pela Coroa Portuguesa durante o Império.
Antes, condutor de tropas de animais, transportador de mercadorias, minerador, mercador ambulante, Joaquim José da Silva Xavier ficou mais conhecido pela profissão de dentista amador, Tiradentes, mesmo tendo como estabilidade a única profissão que lhe deu certo, a de alferes, uma espécie de patente abaixo da de tenente, na cavalaria de Dragões Reais, a força militar atuante na Capitania de Minas Gerais e subordinada à Coroa.
Tiradentes tem destaque importante no livro de Figueiredo justamente por relatar sua revolta contra o Visconde de Barbacena, nomeado Governador da Capitania, que representava a constante retirada das riquezas da região por meio de impostos excessivos, 20%, o que ficou chamado “o quinto”, equivalente ao total extraído.
Em meados do século 18, a extração do ouro caiu, mas o imposto não! O déspota de Barbacena imponha castigos físicos aos mineradores que se recusavam a pagar o absurdo. E mais: aqueles que não podiam, foram obrigados pela Coroa a cobrirem com partes de suas posses, o que tivessem de valor, para continuar os 20%. Foi o estopim para Tiradentes partir para a luta, reunir uma turma bacana de revoltados, como os poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, e conspirar para derrubar o governo do Visconde.
Mas no meio das ruas de Vila Rica, tinha uma pedra na Inconfidência Mineira: o traíra José Silvério dos Reis, que entregou os companheiros. Assim como Judas, foi um dos notórios pioneiros da delação premiada. Silvério faz parte de uma linhagem de almas sebosas, parido no ninho de presigárgulas, esse gambá de Troia,
Tiradentes foi o único da turma inconfidente que recebeu pena de morte, pela forca. E a mando da barbárie da Coroa Portuguesa, decapitado e esquartejado, “para que os súditos nunca se esquecessem da lição”, como mencionado no livro Lucas Figueiredo.
Ironicamente, foi Castelo Branco, o primeiro presidente do regime militar, que um ano após do Golpe de 64, sancionou a lei que instituiu o dia 21 de abril como feriado nacional, em referência a Tiradentes como Patrono da Nação Brasileira. O marechal quis dar um ar republicano.
Acima, reprodução do quadro óleo sobre tela de Leopoldino de Faria, do século 19, exposto no Museu da Inconfidência, Ouro Preto, retratando A Resposta de Tiradentes ao Desembargador Rocha, no Ato da Comutação da Pena aos Companheiros, Depois da Missa, popularmente conhecida como Sentença de Tiradentes.
O título da postagem é um verso de Exaltação à Tiradentes, de autoria de Mano Décio da Viola, Estanislau Silva e Penteado,1949.

sábado, 18 de abril de 2020

isolamento com cajuína

Artistas cearenses de todas as áreas participam da Rede de Trabalhadores da Cultura neste momento de necessário isolamento social.
A cantora e atriz Marta Aurélia, a instrumentista e cantora Tamily Braga, o ator Silvero Pereira, o acordeonista Nonato Lima, o multiinstrumentista Gustavo Portela, o baterista Marcelo 2Hum Holanda e o cantor francês Maurice Durozier tomam goles da Cajuína que Caetano Veloso ganhou de 'seu' Heli da Rocha, pai de Torquato Neto, numa viagem a Teresina.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

ledo engano

ilustração François Schuiten
Aos que riem, debocham de meu modelito fashion pandêmico apocalipse now, - luvas, máscaras e óculos - se preciso sair ao supermercado, desejo que estejam certos e eu exagerado por adorar um horror inventado. Pedirei desculpas com mil rosas roubadas na floricultura fechada.
Que tudo seja uma armação da China comunista para destruir a economia ocidental e de olhinhos fechados dominar o mundo.
Que as mortes na Itália e na Espanha sejam projeções holográficas nos telões das metrópoles - uma retomada neorrealista pós-guerra em um, uma nova temporada do lado de fora da Casa de Papel em outra.
Que os corpos enterrados em uma vala em Hart Island, no bairro do Bronx, em Nova York, no país mais rico do mundo, sejam cenas de apenas mais um desses filmes de catástrofe nos multiplexes, com o bom moço Tom Cruise nos salvando antes de acenderem as luzes.
Que o inominável verme que preside o maior país da América Latina esteja com os intestinos do cérebro entupidos de razão - é uma gripezinha, não fiquem em casa - afinal, é o “Messias” do fim dos tempos, o “mito” do desgoverno do presigárgula, esse gambá de Troia, e que marcará a página infeliz de nossa história.
Que eu esteja totalmente equivocado, porque, afinal, tenho em volta e no isolamento, as pessoas que amo tanto: meus filhos, minha família, irmãos, sobrinhos, primos, meus amigos para quem guardo uma “ruma” de abraços, tem a humanidade que prezo por sermos um milagre diário desde sempre.
Que eu esteja redondamente enganado e eles terraplanistamente certos.

ministro sinistro

novo sinistro da saúde chega para posse

o porto de Saraceni

O clima de cidade do interior fluminense, a quietude e decadência de fábricas paradas, um convento em ruínas, o barulho enferrujado de uma estação de trem, um parque de diversões vazio... uma mulher que quer se livrar do marido opressor, machão, chato... um amante que se nega a cometer um crime...
Esses são elementos narrativos que dão grande força poética, em que pese o enredo trágico da história, ao tratamento cinematográfico que o diretor Paulo César Saraceni imprimiu em Porto das Caixas, de 1962, seu primeiro longa (prêmios de crítica, direção, roteiro e trilha em festivais brasileiros, Prêmio Semana da Crítica em Cannes), baseado na história original de Lúcio Cardoso, o grande escritor mineiro que teve ainda outros livros adaptados pelo cineasta, A casa assassinada, 1970 (troféus Candango de filme e diretor no Festival de Brasília), e O viajante, 1998 (premiado em Brasília, Miami e Moscou), fechando a chamada "trilogia das paixões". Mãos vazias, outra grande obra de Cardoso, de 1938, foi transposta magnificamente ao cinema por Luiz Carlos Lacerda, em 1971, e o último filme com Leila Diniz.

Porto das Caixas é um dos títulos seminais do Cinema Novo. A presença de Reginaldo Faria e Irma Alvarez no elenco, a câmera de Mário Carneiro e os longos planos, a música de Tom Jobim, realçam a composição de um cinema que ousava com uma proposta diferente do que se via nas produções da Atlântida e Vera Cruz.
Nessa época foi assinado o Manifesto Cinemanovista, juntamente com Glauber, Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues, Ruy Guerra...
Saraceni partiu para outros portos em abril de 2012, aos 80 anos.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

o velho e o amor

"Tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados."
Trecho de Memória de minhas putas tristes, página 75, belo e crepuscular romance de Gabriel García Márquez.
Publicado em 2005, narra a história de um velho cronista que se apaixona por uma intocada garota adormecida.
Seis anos hoje que Gabo partiu da aldeia Macondo.
Mais cem anos de solidão.

o pai de Espinosa

Depois de Rubem Fonseca, outro mestre da literatura policial no Brasil, Luiz Alfredo Garcia-Roza, partiu nesta manhã de quinta-feira, aos 84 anos, internado desde ano passado, vítima de um AVC.
O inspetor Espinosa, com exceção do romance Berenice procura, de 2006, é o personagem central em suas histórias, de O silêncio da chuva, sua estreia em 1996, prêmio Jabuti na categoria romance, ao livro mais recente, A última mulher, lançado quatro meses depois em que estava hospitalizado.
Suas tramas, muito bem arquitetadas em reviravoltas, estão sempre ambientadas entre Copacabana, onde se localiza a delegacia de Espinosa, e o bairro Peixoto, onde reside. O clima noir em pleno cenário dos trópicos foge ao estereótipo de armas e narcotráfico, sem deixar, obviamente, de citar esse universo. Filósofo especialista em psicanálise, o escritor Garcia-Roza imprime e explora as questões do interior de seus personagens na realidade adversa, corruptível.
Três de seus livros foram adaptados para as telas, o que deu um novo fôlego ao gênero no cinema brasileiro: Achados e perdidos, por José Joffily, 2006, Berenice procura, de Allan Fiterman, 2018, e ano passado Daniel Filho finalizou O silêncio da chuva, com Lázaro Ramos no papel do inspetor.
Baseada em Uma janela em Copacabana, de 2006, foi lançada em 2015 uma bem cuidada série na GNT, Romance Policial – Espinosa, dirigida por José Henrique Fonseca, filho de Rubem Fonseca.
O inspetor agora é um personagem à procura de um autor para desvendar tanta notícia triste.
Acima, o escritor em uma de suas últimas fotos, de Leo Martins/O Globo

uma dor assim pungente

foto Marco Antônio Teixeira, 2004
Aldir Blanc em estado grave em uma UTI, com infecção urinária, pneumonia e suspeita de coronavírus. Internado num hospital municipal, a família faz 'vaquinha' para levá-lo a um particular, já que não tem plano de saúde. Foi transferido no começo desta noite para o Centro de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel.
Está tudo desesperador! Segunda-feira, Moraes Moreira partiu quando o dia amanhecia, hoje Rubem Fonseca quando a quarta-feira entardecia... o país anoitecendo se esvaziando de nossos artistas, nossas almas pensadoras.
Aldir, segura mais um pouco, mais um pouco muito! A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar.
Não me morra!

quarta-feira, 15 de abril de 2020

cidades obscuras

Les cités obscures é uma bela série de desenhos criada pelo escritor françês Benoît Peeters e o desenhista belga François Schuiten, publicada em forma de novela gráfica, lançada pela primeira vez nos anos 80.
Os desenhos contam histórias ambientadas em um continente imaginário, em situações que remetem ao surrealismo do cinema de Buñuel com o universo metafísico de Jorge Luis Borges e traços de ficção futurista do século 19 de Julio Verne. Mas todas referências bifurcam nas avenidas das metrópoles em que vivemos.
E atento, François Schuiten ilustra estes tempos pandêmicos sobre o planeta. A perspectiva em que aparece coronavírus que partiu de Wuhan lembra uma página de A guerra dos mundos, clássico romance de H. G. Wells de 1898.

solaço!


terça-feira, 14 de abril de 2020

segunda-feira, 13 de abril de 2020

o coração nativo de Moraes Moreira

A beleza desse verso é da letra de Coração nativo, de Fausto Nilo, musicada por Armandino e Moraes Moreira, gravada no disco Lá vem o Brasil descendo a ladeira, o quarto solo depois que o cantor saiu dos Novos Baianos.
Lançado em 1979, o álbum é uma obra-prima da música popular brasileira. Estão lá onze faixas que Moraes assinou em parceria com um time da mais alta qualidade de poetas e compositores: além de Fausto e Armandinho, Abel Silva, Jorge Mautner, Rizério, Antonio Cícero, Oswaldinho do Acordeon e Pepeu Gomes.
A fusão do samba com choro acelerado, o frevo e o xote, o encontro da guitarra de trio elétrico com a sanfona, do piano com o bandeiro, dos metais com a viola sertaneja, do agogô com o bandolim, dão ao disco um timbre carnavalesco inovador.
De um lado, depois de Chão da praça, o frevo ganhou uma contemporaneidade que se perpetuou muito além dos fevereiros, pela alegria coreografada na interpretação de Moraes Moreira e a letra de Fausto, alegórica dos antigos carnavais: “Eu era menino, menino / um beduíno com ouvido de mercador”.
Do outro lado, há tempos que um coração apaixonado não fazia um “relatório” poético das cidades e seus amores, na criativa e jocosa letra de Pelas capitais, de Mautner: “Lá em Maceió você de mim não teve dó” (...) “Já em Campo Grande nosso amor foi muito grande” (...) ”só em Salvador eu conquistei para sempre o seu amor”.
No acústico MTV, de 1995, Moraes conta que "Numa daquelas ladeiras maravilhosas do Rio, João Gilberto viu uma mulata descendo de manhã com todo o suingue, toda energia, partindo pra vida, mas sem se queixar de nada. Ele olhou e disse: 'Olha lá o Brasil descendo a ladeira'. E daí nasceu essa música".
A faixa-título, feita com Pepeu Gomes, é como resumisse a grandiosidade das demais composições do álbum. Uma radiografia afetiva da bola, do samba, da sola, do salto e a cadência da mulata na pintura de Di Cavalcanti. Enquanto descia a ladeira, subia a riqueza da música do Brasil brasileiro lindo e trigueiro.
O coração nativo de Moraes Moreira tinha 32 anos quando lançou esse disco, mas desde quando integrava o grupo Novos Baianos já demonstrava o valor daquela gente bronzeada, e eles fizeram o Tio Sam tocarem bandeiro para o mundo sambar.
No avarandado da música brasileira, debaixo do coqueiro que dá coco, amarra-se a rede nas noites claras de luar. E quem balança a rede quer sonhar.
Valeu, Moraes! Quem desce do morro não morre no asfalto.

última postagem



Eu temo o coronavírus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida

Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo

Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito

De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia

Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido

Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta

Com tanta coisa inda cismo....
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia

As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres

O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo, nem idade

Quarentena, de Moraes Moreira, em sua última postagem no Instagram, 18 de março.

menino do Brasil

foto Wilton Junior

Talvez pelo buraquinho
Invadiu-me a casa
Me acordou na cama

Tomou o meu coração

E sentou na minha mão.



Um trecho de Acabou chorare, canção composta por Moraes Moreira e Galvão, gravada no segundo disco dos Novos Baianos, 1972, em plena ditadura Médici.

Os compositores se inspiraram numa história que João Gilberto contou sobre sua filhinha com Miúcha, Bebel, para acabar com a tristeza que então dominava a música popular brasileira, colocando alegria, prazer e jocosidade nas canções, estilo que pontua todo o disco. A alegria como resistência.
Hoje o dia amanheceu mais triste. Lá vai o Brasil descendo a ladeira com a notícia da morte do sempre alegre Moraes Moreira.
Pelo buraquinho da fechadura do quarto do cantor, a indesejada das gentes silenciou o seu coração.
Começamos chorare sua partida, eterno novo baiano de nossa música, assim vou lhe chamar, assim você sempre vai ser.