Adolescente, meu coração órfão
guardou a imagem dele na sala de casa, ali, “deitado como nunca / com seu nariz
e seu sapato / em / riste”. O desenho da cena da vigília final na pequena casa
de uma vila no centro do Fortaleza se estendeu em trechos de outro poema,
décadas depois: o corpo inerte “ocupando a lugar da mesa de jantar / todos sem
bússola no meio da sala: / minha mãe que chorava / a penca de filhos que
soluçava / a vizinhança curiosa que acalmava” (Trem da memória, Editora
Radiadora, 2022).
O morto, como um réquiem para
uma ausência pessoal, se alarga numa metonímia para essa certeza implacável na
vida, para o entendimento e reflexão de todos nós, seres imperfeitos no efêmero
que somos e no eterno que pretendemos.
O poema recebeu o prêmio
principal, entre 3000 concorrentes, no III Concurso Nacional Mackenzie de
Poesia, São Paulo, em 1982. O memorialista Pedro Nava, em carta endereçada a
mim em 16 de janeiro de 1983, transferiu para O morto o que escreveu Pablo Neruda
sobre seu poema O defunto, em seu único livro de poesia, de título homônimo, Editora
Macunaíma, 1967: “Uma das mais belas e sinistras peças de sua língua."
Publicado em várias revistas e
tabloides literários, somente em 2000 saiu em livro, na antologia organizada
por Ivan Junqueira, Poesia Sempre, editada pela Fundação Biblioteca Nacional,
Rio de Janeiro, em que reúne 18 poetas selecionados da Poesia Brasileira Contemporânea.
Em 2019, em meu terceiro livro Poesia provisória (Radiadora), coloquei o
poema no capítulo Reconstruir as nuvens.
Acima, o vídeo com a leitura minimalista, sibilada, do grande poeta e amigo Ademir Assunção, de São Paulo, com a trilha de iluminação e elevação dos monges do Maitri Vihar Monastery entoando mantra. Mais do que uma leitura, um poeta auscultando o coração de outro poeta.
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