sábado, 18 de novembro de 2023

a estranha família Mann

“Ao chegar no hotel o choque mais grave. Um telegrama dizendo que Klaus estava numa clínica em Cannes num estado desesperador. Logo em seguida: telefonema de uma amiga sua e de Erika comunicando a sua morte. Ficamos todos juntos num amargo sofrimento. Minha compaixão interior pelo coração materno e por Erika. Ele não podia ter feito isso a elas. (...) Totalmente esgotado, por volta das duas horas, fui para cama.”

- Trecho do diário do escritor Thomas Mann quando soube da morte do filho, Klaus Mann, em plena cidade mediterrânea francesa, em 22 de maio de 1949. Ele estava em Estocolmo para uma conferência, acompanhado da mulher Katia e da filha Erika. O pai não interrompeu a viagem, assim como as duas ficaram ao seu lado.
O suicídio de Klaus Mann, aos 43 anos, também escritor, autor de Mephisto (1936) é o tema do primeiro capítulo do ótimo livro Na rede dos magos – Uma outra biografia da família Mann (1991), da socióloga Marianne Krüll, alemã, como os famosos retratados. “Como é que Klaus não podia ‘ter feito isso’ somente ao ‘coração materno’ e à irmã? O seu coração de pai não fora tocado? Ele sentia ‘compaixão apenas pela mulher e pela filha, mas não por ele, o filho, e por si mesmo, o pai?”, reflete e questiona Marianne.
Precisa e muitas vezes implacáveis em suas análises, a autora construiu, a partir da leitura de cartas, documentos, diários, relatos e fatos, uma preciosa obra de considerações psicológica e sociológica sobre os membros de uma família cheia de estranheza e que fazem parte significante da literatura mundial do século XX.
Além dos filhos Klaus, Erika (atriz), Golo (historiador), Monika (ensaísta), Michael (violinista) e Elisabeth (cientista), o psicodrama sobre a família Thomas Mann se estende também no irmão Heinrich, romancista, e nos pais, o cônsul e comerciante Johann Heinrich e a escritora brasileira Julia da Silva Bruhns. Cada um envolvido numa teia de culpas e desesperanças, permeados todos pelo sucesso e o fracasso, a autorrealização e o auto-aniquilamento, os conflitos íntimos (a homossexualidade guardada do pai e a assumida do filho suicida) e a teia de conflagrações ambientadas em épocas conturbadas de duas guerras.
“Como somos uma família estranha! Um dia ainda escreverão livros sobre nós – não somente sobre alguns de nós”, pressentiu Klaus Mann em 1936. Hoje, 117 anos do seu nascimento.

Na foto de Eduard Wasow, 1929: Thomas, Erika, Katia e Klaus Mann.

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