Foto: Joshua Benoliel - Arquivo Municipal de Lisboa, 1911
Viagem, de Cecília Meireles, reúne sua produção de 1929 a 1937. Publicado em 1938 pela Lisboa Editorial Império, recebeu o Prêmio Olavo Bilac concedido pela Academia Brasileira de Letras.
Dedicado “aos meus amigos portugueses”, é um dos seus mais belos livros. Um passeio na plenitude do eu lírico existencial em 199 páginas, construção perfeita nas intercessões do Simbolismo ao Modernismo. Nesse período, além de suas obras, Cecília fazia traduções, viajava por vários países, e lecionava Literatura Luso-Brasileira e Técnica e Crítica Literária na Universidade do Distrito Federal, à época no Rio de Janeiro.
Em uma das viagens a Portugal, em 1935, para uma série de palestras nas universidades em Lisboa e Coimbra, Cecília agendou uma tarde para conhecer Fernando Pessoa. O poeta dos heterônimos marcou o contato em dos principais cafés da capital, como uma homenagem à visitante, A Brazileira, no bairro do Chiado. Cecília esperou, esperou, e depois de algumas horas e várias xícaras de chá, de 12 às 14h, decidiu voltar ao hotel. Encontra na portaria um exemplar autografado do livro Mensagem e um bilhete de Pessoa se desculpando: fora aconselhado por seu horóscopo daquela manhã a não ir a encontros. Não iria, não fingiria a certeza que deveras sentia. O poeta falece no ano seguinte, levando Ricardo, Álvaro, Caeiro...
O fato, narrado pela filha da poeta, a atriz Maria Fernanda (1928-2022), está em um artigo do escritor português Francisco Cota Fagundes na revista Persona, editada pelo Centro de Estudos Pessoanos, volume 5, 1981.
O livro Viagem traz entre tantos poemas consagrados, como os ótimos 13 Epigramas, um dos mais conhecidos de Cecília, Motivo. É substancial em metalinguagem, em significado e definição: “Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta.” A análise semântica que se faz de cada verso, “atravesso noites e dias / no vento”, “se desmorono ou se edifico, / se permaneço ou me desfaço”, traça um perfil elucidativo de quem tem o dom e o fado de lapidar a vida com a mais íntima manifestação da literatura: a poesia. O canto.
122 anos hoje de seu nascimento. Mais de um século de asa ritmada. Se fica ou passa, ela sabia que cantava. E a canção é tudo, está em tudo, até em desencontros num café.
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