quarta-feira, 8 de novembro de 2023

nas escavações do rock


Foto: acervo pessoal

Em 11 de junho de 2008 o cantor Serguei esteve em Taguatinga, cidade-satélite na região administrativa do Distrito Federal, para fazer um show. Um show que se tornou histórico. Ele tinha 76 anos.
A paleontóloga apresentação da lenda do rock brasileiro foi num galpão customizado de pub underground, numa via com oficinas de carros, borracharias 24 horas, boates decadentes e fundos de supermercados entulhados de caixas de papelão que os sem-tetos recolhem para vender na reciclagem. A ambientação contextual na mais fiel cenografia do velho e bom rock and roll e apropriadíssima para a exibição do panssexual personagem da noite. Um pouco mais à frente do galpão, a linha do metrô para Samambaia e a vista para os prédios crescentes da “emergente” classe média alta de Águas Claras, na Capital Federal.
Assistir a um show de Serguei é sempre um show à parte. Só vendo. Mesmo que a voz rouca não tenha sido mais aquelas rouquidões todas, ele foi reverenciado, apalpado, beijado, por um seleto e eufórico grupo de fãs, como se fosse um Mick Jagger descamisado de Iggy Pop com estampa de Jim Morrison no peito feito porta da percepção. A postura outsider cada vez mais reincidente. Eu não sabia se fotografava ou se só assistia registrando para sempre com os tatos da retina.
Entre tantos covers de seu set list, com um telão ao fundo com imagens do filme Woodstock, Serguei ovacionou com a esperada Summertime, clássico jazz standard de George Gershwin e DuBose Heyward, de 1935, eternizado em 1969 pela versão blues rasgante de Janis Joplin, com quem ele assegurava ter rolado sexo, drogas e rock and roll. Mas naquela noite, meu amigo Vanderlei Costa, ator e emblemático performer de Brasília, subiu numa lateral do palco e tascou um beijo de língua no seu ídolo. Isso eu vi e não é lenda.
Hoje 90 anos de nascimento de Sergio Augusto Bustamante, o menino filho do executivo da IBM Domingos e da dona de casa Maria. Um amigo na infância passou a chamá-lo, possivelmente pela aparência caucasiana, de Serguei, seu primeiro nome em russo.
É como na infância tivesse profetizado o que diz um verso de Summertime: “Você vai exibir suas asas, criança”.

Nenhum comentário: