domingo, 26 de novembro de 2023

quando duas canções se encontram


Foto: Chico Gadelha

A cantora cearense Mona Gadelha tinha 17 anos quando compôs Cor de sonho, um blues incorporado nas características de ritmo melancólico e narrativa simples. Gravado no LP coletivo Massafeira (CBS, 1980), a adolescente compositora já se revelava madura na perplexidade dos amores abandonados. A letra mostra as desventuras que aos poucos entram no prumo ou sucumbimos de vez se não tivermos voz.
Se do outro lado o que a pessoa amada faz “não tem cor de sonho”, se até a dubiedade de um sorriso “me deixa assustada”, e do lado de cá peito fica confuso, saiba que também por passar “noites sem dormir”, é bom ter cuidado com a solidão de quem sofre. A poesia das perdidas ilusões se sublima na própria condição de ser.
Mona Gadelha retoma a causa na sua nova composição Tudo bem comigo, single lançado hoje nas plataformas digitais. Dos sulcos analógicos do vinil à frequência digital dos streamings, o coração é o mesmo território sitiado.
A simetria com o que dizia em Cor de sonho é um trajeto que tem ondas. O tempo que se percorre no movimento das nuvens e das dunas. A segurança de dizer que está “tudo bem” com ela e os seus botões. Se antes passava noites sem dormir, hoje “durmo tranquila e acordo cedo”; se aquele sorriso a assustava, agora “me viro sozinha / enfrento o meu medo”; se naquele tempo estava “sempre querendo fugir”, dessa vez “encaro de frente o meu conflito”, numa proposital redundância de afirmação.
Tudo bem comigo, uma balada eletro-sofrência, como a autora define, conceitua uma unicidade de pensamento e qualidade artística. Mona gravou sete discos, no arco de 1985 a 2013, na diversidade do rock, do blues, de todas as canções que banharam sua vida na praia lírica. Uma discografia com a intextualidade como compositora, dialogando com seus espantos e esperanças citadinas. "Faço minhas contas / trabalho muito", situa-se.
No meio da faixa há uma pausa, um silêncio, como se a música ali terminasse. E logo retoma, emergindo, voltando ao fôlego para repetir “Tá tudo bem / eu vou muito bem”. Esse bate-e-volta ao fundo mar ratifica a superação dos amores e seus precipícios. E esse gráfico centralizado, de elo e não de divisão, está até na foto que ilustra a capa do single.
De Cor de sonho a Tudo bem comigo, não se diz nada apenas por dizer.

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