Quando desembarcou em Teresina em 10 de dezembro de 1978 para o show Muito, Caetano Veloso logo lembrou de Torquato Neto. Desde a morte do poeta, em 1972, que o cantor não voltava à cidade, e nem conseguira chorar.
O pai de Torquato,
Heli Nunes, foi visitá-lo no hotel. Já se conheciam do tempo em que ia a
Salvador ver o filho, que estudava na mesma escola de Caetano. “Quando eu o vi,
chorei muito, a dureza amarga se desfez. Ele ficou me consolando e me levou à
casa dele”, relembra o cantor.
Na parede da
sala da antiga casa tinha muitas fotografias de Torquato. Caetano girava a
cabeça e os olhos lentamente, o coração e o tempo profundamente. Seu Heli
olhava o filho no olhar que se iluminava de Caetano. Um silêncio em comunhão umedeceu
a ambiente: Caetano chorava, turvava a lágrima nordestina. Seu Heli passou a
mão paterna em sua cabeça, “Não chore tanto”, disse, sereno. Quase com um caminhar suspenso - ali tudo
parecia ser nuvem - foi até a cozinha, abriu a geladeira, pegou uma garrafa de
cajuína. A bebida que mandava para Torquato em Salvador. Voltou para a sala na
mesma afluência de remanso entre os cômodos. Caetano viu que ele trazia dois
copos. Colocou-os sobre a mesa. O líquido cristalino da garrafa dourou o
silêncio. Seu Heli serviu. Beberam demoradamente, sem nada falarem, eram
naquele momento olhares em intacta retina. Sugaram uma saudade a dois.
Quando
terminaram, seu Heli colocou os copos outra vez sobre a mesa, levantou-se e
foi até ao jardim. Caetano atravessa o olhar pela luz da porta e espera, ainda
mais só. Seu Heli volta trazendo uma cor na mão e estende a Caetano. “Cada
coisa que ele fazia eu chorava mais”, disse sobre aquele homem lindo que lhe
dava uma rosa pequenina.
De volta ao
hotel, o cantor teve a certeza que a matéria vida era tão fina no gesto de seu Heli.
E assim nasceu
a canção Cajuína, gravada no disco Cinema transcendental, 1979. Mesmo quando choramos ausências, ainda existimos, sem
sabermos a que será que se destina.
Hoje, 79 anos de nascimento do menino cristalino de Teresina.
Na foto, acervo da família, Torquato entre os pais, Maria Salomé e Heli, década de 60.
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