domingo, 5 de novembro de 2023

a cachoeira que me banhou quando cresci

Fotos: painel no Memorial Humberto Mauro, em Cataguases.

Em 1997, quando eu rodava o curta O último dia de sol, em Baturité, Ceará, o rapaz que fazia o making of, estreando e entusiasmado na função de registrar os bastidores de uma filmagem, não deixava escapar nada.
No primeiro dia de trabalho, ele seguiu com a equipe de fotografia para fazer locação em algumas ruas da cidade e aproveitaram para registrar umas imagens na região serrana. À noite, quando nos reunimos para ver as filmagens, muitas e muitas das cenas eram de uma belíssima queda d’água do maciço.
Acho que ele quis traduzir, literalmente, a definição do grande Humberto Mauro: "cinema é cachoeira".
Três anos depois, quando exibi o filme no festival CineCeará, conheci o escritor e cineasta André Felippe Mauro, sobrinho-neto de Humberto, que lançava o livro Humberto Mauro – O pai do cinema brasileiro (IMF Editora), biografia em criativa estrutura de roteiro cinematográfico. Contei-lhe a história do making of e seus olhos brilharam num sorriso.
Ali mesmo, folheando a publicação enquanto conversávamos, leio no prefácio de Ronaldo Werneck, um trecho reproduzido de uma entrevista antiga com Humberto Mauro: “Quando vejo um rio, não vou de cara em cima dele, mas me escondo, esperando a hora certa. Há certas coisas na natureza que se você não filma na hora certa, nunca mais filmará. Natureza a gente não deve filmar quando a gente quer, mas a hora que a natureza escolhe.”
A orientação do mestre coube como um endosso para as filmagens do making of. O roteiro não previa cenas com cachoeira ao fundo, mas guardei o preceito com a mais terna reverência - a Humberto Mauro e ao rapaz que atendeu ao chamado da natureza, Walmir Mota.
Pastor de nosso cinema campesino, Humberto Mauro faleceu na manhã de 5 de novembro de 1983. Afastado das câmeras desde 1974, morava em seu sítio Rancho Alegre, na cidade natal Volta Grande, a 90 quilômetros de Cataguases, Minas Gerais, onde fundou a produtora Phebo Sul América, em 1925, dando início aos mais seminais filmes da cinematografia brasileira.
O cineasta tinha 86 anos. Abatido por uma forte pneumonia, estava praticamente cego quando partiu. Mas ouvindo as cachoeiras. 

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