terça-feira, 15 de setembro de 2020

viagem ao fim da tarde


Um casal de idosos resolve ir a Tóquio visitar os filhos. A viagem não foi em um momento oportuno, nem nunca será: os filhos, absorvidos pelo trabalho, não dão a atenção devida aos pais, nem sequer se sensibilizam por terem vindo de tão longe para vê-los. Mais do que caminhar em passos lentos do quarto à sala, atravessaram ruas e embarcaram em trens.

Há um sentimento de indiferença e ingratidão, de um lado. E de sublime resignação, do outro: os velhos retornam a sua casa e ao seu passado com a nobreza da compreensão. Eles sabem que pararam "na beira do cais / onde a estrada chegou ao fim".*

Esse é o resumo de um dos belos filmes da história do Cinema, Viagem à Tóquio, também intitulado Era uma vez em Tóquio, originalmente, Tôkyô monogatari, de Yasujiro Ozu, de quem mais do que admirador, sou devoto.

Produção japonesa de 1953, o filme desmonta as relações familiares com muita serenidade e sutileza, como deve ser para o entendimento e a reflexão de todos nós, seres imperfeitos metidos a sabidos. Realizado no pós-guerra, depois que "uma bomba sobre o Japão / fez nascer o Japão na paz",* Ozu estabelece uma estrutura narrativa neorrealista, confrontando o velho e o novo país, muito bem definido no envelhecimento e na modernidade, nos filhos e nos pais, nas cidades e nos costumes, no efêmero que somos, no eterno que pretendemos.

Minimalista na composição de suas imagens, o cineasta do cotidiano, dos laços e desenlaces familiares, disseca sentimentos que mexem com todos. Criador dos planos com tripé baixo, sua câmera-tatame está sempre na altura dos corações dos personagens, dos que ficam, dos que partem e que voltam para casa.

Hoje se comemora no Japão o Dia do Idoso. Viagem à Tóquio é uma bela homenagem ao tempo quando o fim da tarde de nossas vidas for lilás.

* versos de A paz, de Gilberto Gil e João Donato, 1986. 

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