quarta-feira, 2 de setembro de 2020

o entretempo da poeta


“Quando fui menina
me davam banho apressado
como se me salvassem
de um naufrágio”,

lembrava Lina quando pequena em Cataguases. Saiu das montanhas das minas gerais e no rio de tantos janeiros sobre as raízes do lirismo peninsular, empinou
“nos ares a mão
como se entregasse a alma
a quem me abre a porta
desta casa”.

Com o uso da palavra e domínio da metáfora, entre a poesia e a cátedra, sua voz segue para o planalto central e ignora
“...o que me cabe
(por promessa ou exílio)
em outra semeadura,
para talhar o meu rosto
na movediça ilusão”,

pois com tantos livros, seguida de tantos leitores, diante tantos alunos na universidade, sua simplicidade sabe que
“pela palavra que traspasso
- aquém ou além de Brasília –
em sonho-enigma permaneço indefinida.
Puro centauro”.

“De repente, a vida partiu-se:
não havia mais gato.
Naquela tarde, amei a palavra
que caíra da beirada de meu corpo:
exceto.”

Nas últimas horas desse dia 1º, partiu, traspassou a vida a poeta mineira-brasiliense Lina Tâmega del Peloso. Corro para a estante para pegar o livro que ela me enviou em 1983, Entretempo, de Brasília para Fortaleza, como se pudesse alcançá-la para um abraço de despedida.
Agora aqui na mesma cidade, revejo a dedicatória tão afetuosa ao aprendiz de versos vespertinos, com “a alegria edênica desse dia, nos espaços do coração”, como escreveu o que neste instante releio ao chorar.
Recoloco o livro na estante, assim como agora a autora volta para seu espaço edênico.
“A saudade é o chão de minha vida”, poeta Lina.

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