terça-feira, 29 de setembro de 2020

"os adjetivos passam, e os substantivos ficam"


Desde jovem Machado de Assis colaborava com seus textos ácidos e bem-humorados em vários periódicos da imprensa carioca, e isso lhe abriu caminhos para a carreira literária. Durante os anos de 1883 a 1886, publicou uma série de ditos e aforismos no jornal Gazeta de Notícias. Assinava com o pseudônimo de Lélio.

Intitulada Balas de Estalo, a série, com a afinada ironia do grande escritor, refletia com humor a política imperial no final do século XIX, discorrendo sobre o comportamento e as mudanças urbanas, o abolicionismo, os princípios e medidas adotadas para extinguir a escravidão, analisando dessa forma o declínio das principais instituições do país, mais exatamente a monarquia e a igreja.
São frases curtas, cortantes, (como essa do título da postagem), com a inteligência do implacável, eloquente e elegante “bruxo do Cosme Velho”, epíteto cunhado por Carlos Drummond de Andrade no poema a ele dedicado, A um bruxo, com amor, publicado no livro A vida passada a limpo, de 1959, uma afetuosa alusão ao morador da casa número 18 da rua que tem o mesmo nome no bairro carioca.
A historiadora paulista Ana Flávia Cernic Ramos tem mestrado e doutorado sobre a série de textos, respectivamente, Política e Humor nos últimos anos da monarquia: a série Balas de Estalo e As máscaras de Lélio: ficção e realidade nas Balas de Estalo de Machado de Assis, este publicado em livro em 2016.
Machado, que trabalhava como diretor-geral do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas e participava ativamente das sessões da Academia Brasileira de Letras, por ele presidida, entra em licença para cuidar da saúde no começo de julho de 1908. Para crises de epilepsia e outras enfermidades, decidiu-se pelo tratamento homeopático, em casa.
Durante esse período, o escritor recebia visitas diárias dos amigos da Academia e de personalidades, como o diplomata Barão do Rio Branco. Machado lê jornais e críticas ao seu último livro, Memorial de Aires. “O livro é derradeiro; já não estou em idade de folias literárias nem outras”, escreveu em uma carta em resposta ao crítico José Veríssimo. Mostrando lucidez em seu leito, escreveu calmamente seu testamento. Viúvo há quatro anos de sua amada Carolina Augusta Xavier, e sem filhos, deixou todos seus bens para “a menina Laura”, de quem tanto gostava, filha de sua sobrinha Sara Gomes.
Às 3h20m de 29 de setembro de 1908 Machado de Assis falece aos 69 anos, abatido por uma úlcera cancerosa na boca.
O publicitário de formação, bancário de profissão e pesquisador literário independente Felipe Pereira Rissato, há mais de 20 anos dedica-se a procurar e revelar raridades da vida e obra de Euclides da Cunha e Machado de Assis, e vem se notabilizando por achados iconográficos e textos inéditos desses escritores.
Como disse em uma entrevista à revista digital Voz da Literatura, de Brasília, em setembro do 2019, Felipe viaja para vários locais do Brasil e exterior, pois nem todo acervo de hemerotecas digitais de bibliotecas, como a Nacional no Rio de Janeiro, está disponível, forçando-o a pesquisar “em microfilmes e materiais originais, o que eu particularmente prefiro, embora o que dificulte sejam os custos de deslocamento e hospedagens, todos orçados por essa minha paixão!”
E foi numa dessas viagens de paixão pela literatura brasileira que Felipe encontrou em 2018, provavelmente a última foto de Machado de Assis (abaixo), publicada na edição da revista semanal argentina Caras y Caretas, de 25 de janeiro de 1908, encontrada na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España. A foto estampa uma breve matéria sobre "Homens ilustres do Brasil".
Hoje, 112 anos que Machado de Assis não morreu. Um substantivo para sempre.

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