Numa noite de novembro de 2000, Marcello Yuka, o baterista e um dos fundadores da banda O Rappa, ao impedir um assalto a uma mulher no bairro da Tijuca, Rio, foi alvejado por vários tiros. Um atingiu a vértebra torácica e o deixou paraplégico. Nove anos depois, próximo ao mesmo local, foi assaltado com socos e pontapés e teve o aparelho celular roubado.
Sábado passado, dia 18, completou um ano que o músico faleceu vitima de infecção generalizada. Faleceu, numa dessas ironias cruéis, três dias depois que desgoverno tosco da alma sebosa assinou decreto que facilita a posse de armas.
Yuka foi um ativista da não violência, do desarmamento, lutava por igualdade e justiça, e seu enfrentamento por consciência social ia além do discurso, principalmente depois que ficou em cadeira de rodas.
De cada um dos três discos em que participou na banda, no mínimo sete de doze faixas são letras de sua autoria. O forte cunho social e ideológico que caracteriza O Rappa, numa mescla de rock, reggae e rap, tem em Marcelo Yuka o seu idealizador, mesmo depois de sua saída em 2002, por, segundo consta, divergências conceituais e discussões por dinheiro com o restante dos músicos.
Yuka continuou seu ativismo com outra banda, F.UR.T.O, 2005, teve sua vida relatada sem arrodeio no documentário No caminho das setas, de Daniela Broitman, 2012, expôs em uma espécie de certidão biográfica sua dor e resiliência no comovente livro Não se preocupe comigo, 2014, e cantou um sintomático comunicado amor e despedida no álbum solo "Canções para depois do ódio", 2017.
As letras de Yuka expressão beleza poética na denúncia social como pouco se viu nas composições da música brasileira nesses últimos vinte anos. Essa imponência e encanto marcam-se a partir dos títulos das canções, como Todo camburão tem um pouco de navio negreiro, incluída no primeiro disco da banda, 1994. Lado B Lado A, terceiro álbum, gravado em 1999, o mais consistente em letras e belamente melódico, envolvente, orgânico no sentido em que todas as faixas compõem um manifesto pela paz e justiça social. Minha alma (A paz que eu não quero), é ao mesmo tempo compêndio e resumo conceitual do disco.
O compositor tinha 53 anos. Sua obra continuará. Seus versos se propagarão pela memória e permanência. Recados tão conscientes, atentos e fortes, persistirão, como o aviso "a carne mais barata do mercado é a carne negra", brado retumbante de Elza Soares, ao cantar sua letra A carne, no disco Do cóccix até o pescoço, 2002.
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