foto ©Yulia Mustakimova, 2009
"A veneração dos egípcios pelos gatos não era nem tola nem infantil. Por meio do gato, o Egito definiu e refinou sua complexa estética. O gato era o símbolo daquela fusão de ctônio* e apolíneo que nenhuma outra cultura conseguiu. A linha pagã de olho intenso do Ocidente começa no Egito, como acontece com a dura persona da arte e da política. Os gatos são exemplares de ambos. O crocodilo, também cultuado no Egito, assemelha-se ao gato em sua passagem diária entre dois reinos: movendo-se entre água e terra, o rugoso crocodilo é o ego blindado do Ocidente, sinistro, hostil e sempre em guarda. O gato é um viajante do tempo do antigo Egito. Retorna sempre que a feitiçaria ou o estilo estão na moda. No esteticismo decadente de Poe e Baudelaire, ele readquire seu prestígio e magnitude de esfinge. Com seu gosto pelo ritual e o espetáculo sangrento, conspiração e exibicionismo, é pura pompa pagã. Unindo primitivismo noturno a elegância de linha apolínea, tornou-se o paradigma vivo da sensibilidade egípcia. O gato, fixando sua rápida energia predatória em poses de stasis apolínea, foi o primeiro a encenar o imobilizado momento de quietude conceitual que é a grande arte."
- Camille Paglia, ensaísta e crítica de arte norte-americana, em Personas Sexuais: Arte e Decadência de Nefertite a Emily Dickinson, Companhia das Letras, 1994.
* relativo a ctónico, a Deusa Terra. Segundo a autora, o culto prestado a Dioniso, relativamente recente na Grécia Antiga, vem ocupar o lugar que antes era dedicado a essa deusa.
Camille adota a expressão para designar o que Nietzsche chama de dionisíaco.
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