quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

o termo saudade

Hoje no Dia da Saudade, dois anos e nove meses que na parede da memória é o quadro que dói mais...

São Linduarte

Em 1960, o lançamento do curta-metragem Aruanda, de Linduarte Noronha, inaugurou o moderno documentário brasileiro. Os 20 minutos de duração fazem um estudo etnográfico e sociológico como pouco visto no nosso cinema.
Narrando a vida de um pequeno grupo de negros, isolado numa região serrana da Paraíba, o diretor registra a vida de descendentes de escravos que fundaram um quilombo na Serra do Talhado. Eles viviam à margem de qualquer outra civilização, sustentavam-se através do algodão, plantado pelos homens, e obras em cerâmica, confeccionadas pelas mulheres.

Em pleno surgimento do Cinema Novo, Aruanda mostrou ao país suas próprias entranhas, interiorano, artesanal e resistente. A narrativa entre ficção e documentário, a concepção de imagens cruas em preto-e-branco, a escassez de recursos de produção, são elementos de quase metalinguagem que enquadram o filme no que se denominou “estética da fome”, formulação artística elaborada e estendida por Glauber Rocha, que comparava o diretor como um neorrealista, um Rossellini do sertão, e o reverenciava como “São Linduarte”.
Noronha nasceu em Pernambuco, mas criou-se e fez carreira como professor, procurador e cineasta em João Pessoa. Seu cinema deu largada a uma geração de documentaristas paraibanos, como Vladimir Carvalho, João Ramiro Mello, Jurandyr Moura e Rucker Vieira.
Neste 30 de janeiro, oito anos que Linduarte partiu para outras aruandas.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Kauim

Paulo Kauim,
caro
poeta
que
escaneia
nuvem

e
nina
cigarra,

parabéns
pelo
seu

dia
todos
os
dias

em
nossa
constelação
de
aquário

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

a beleza de um ator

"Estou aguardando você me chamar pro filme..." , disse-me o ator Sidney Souto, enquanto almoçávamos no restaurante do Sesc Iracema, ao saber que estava rodando um longa em Fortaleza, em 2014.
"É um documentário, Sidney", falei pra ele, que de imediato, com muito bom humor e firmeza, disse: "não importa, eu faço um poste que é uma beleza!"
Poxa, Sidney, não deu tempo. Você se foi... Cinco anos hoje de saudade. Tenho certeza que você faria muito mais, com muita beleza.

o menino que nós amamos

Há 76 anos o cantor, compositor, ator e físico Rodger Rogério continua um menino no chão sagrado do seu coração.
Parabéns pelo seu dia todos os dias!

Na ponta do lápis, vou repetir o que tu já sabes: nós te amamos!
Composição de Rodger e Clodo Ferreira, gravada no disco Rodger Rogério, 2003

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

nunca mais outra vez

“Eu gostaria que soubessem que cumpri duas tarefas: uma do Partido e outra do meu coração”.
A frase é da revolucionária alemã, de origem judaica, Olga Benário, marcante no Brasil por sua atuação ao lado do marido Luís Carlos Prestes, líder do movimento que entraria para a história brasileira como Intentona Comunista.
Após a insurreição, durantemente reprimida pelo governo de Getúlio Vargas, Olga e Prestes passaram a viver na clandestinidade, e acabaram detidos em 1936. Na prisão, Olga descobriu que estava grávida. No mesmo ano foi deportada para a Alemanha nazista. Recebida pela Gestapo, foi levada para a prisão feminina do Campo de Concentração de Barnimstrasse, onde teve sua filha Anita Leocádia Prestes (hoje historiadora aposentada, 83 anos), que ficou com a mãe na cela até o fim do período de amamentação, e depois entregue à avó, dona Leo Benário.
Olga foi executada em 23 de abril de 1942, aos 34 anos de idade, na câmara de gás com mais 199 prisioneiras, no campo de extermínio de Bernburg.
Em 2008, por ocasião do centenário de seu nascimento, a Alemanha a homenageou, inaugurando uma ‘pedra de tropeço’ em frente ao último endereço em que ela viveu em Berlin, no bairro de Neukölln.
‘Pedras de tropeço’ são pequenas placas de latão presas nas calçadas dos locais onde moraram vítimas das atrocidades nazistas. Nelas estão escritos o nome, data de nascimento e de deportação e uma referência ao que aconteceu. Em toda Europa são encontradas mais de 13 mil placas semelhantes.
Hoje, 27 de janeiro, é celebrado o Dia Mundial da Lembrança do Holocausto, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em homenagem aos seis milhões de judeus e às outras vítimas da crueldade nazista. A data é uma alusão ao dia em que as tropas soviéticas libertaram o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia.
No contexto mundial alarmante da extrema-direita, do antissemitismo, da proliferação assustadora de grupos nazifascistas, das tentativas de governos conservadores de reescrever a história e distorcer os fatos, da intolerância e ódio espalhados pela Internet, das teorias absurdas de terraplanistas, criacionistas, delirantes neopentecostais, a data de hoje é para lembrar que todos os dias são para lembrar.

o brasileiríssimo

O compositor Waldir Azevedo, com chorinhos como Pertinho do céu, Delicado, Brasileirinho, praticamente colocou o cavaquinho no seu devido lugar de importância na música brasileira, explorando as possibilidades, até então considerado um mero instrumento ao fundo no conjunto musical.
Brasileirinho tornou-se uma espécie de marca do gênero, principalmente depois da versão acelerada de Ademilde Fonseca.
Baby (quando Consuelo), na época dos Novos Baianos, deu projeção ao chorinho para as novas gerações com a ótima e histórica apresentação no Rock in Rio, em 1985, eletrizando a plateia, com um barrigão, grávida de uma de suas filhas de nomes "brasileirinhos"...
Hoje 97 anos de nascimento de Waldir Azevedo, que se foi em 1980, com apenas 57 anos.
Gostamos, pulamos, dançamos, e nunca mais esqueceremos o tal chorinho brasileirinho!

domingo, 26 de janeiro de 2020

Tunai

O cantor e compositor Tunai faleceu nessa madrugada de domingo, de ataque cardíaco, aos 69 anos.
Nossos artistas indo embora, como que vitimados pela idiotização institucionalizada neste país.
Ficamos mais órfãos a cada notícia dessa.
Autor de tantas obras do cancioneiro brasileiro, "não há mais nada pra se fazer, senão chorar sob o cobertor", como diz a letra de uma de suas clássicas composições, As aparenças enganam, em parceria com Sérgio Natureza, gravada e eternizada por Elis Regina, no disco Essa mulher, 1979.

divina comédia humana

“Desde o início aboli a possibilidade de estar sendo conduzido para o Inferno ou o Paraíso, essas fictícias paragens finais que, não pertencendo à geografia terrestre, não se incluem entre os sítios prometidos aos meus passos futuros.”
- trecho do poema-prosa A escada, de Ledo Ivo, publicado no livro Mar oceano, 1987, Editora Record.
Paraíso e Inferno, pintura em óleo, 1510, do holandês Hieronymus Bosch (pseudônimo de Jeroen van Aken), exposto no Museo del Prado Madrid, Espanha.

sábado, 25 de janeiro de 2020

é ele que passa a caminho do mar...

A partir de uma foto de 1961, a escultora Christina Motta criou a estátua de Tom Jobim, feita de bronze e argila, em tamanho real.
A escultura foi inaugurada em 2014, e está fixada em uma calçada ao longo do Arpoador, uma das pontas da praia de Ipanema, lugar favorito de surfistas, pescadores e transeuntes que param para ver o espetáculo diário do pôr do sol por trás da favela do Vidigal.
Logo ele que dizia em Ligia, que "não vou a Ipanema / não gosto de chuva / nem gosto de sol...” Mas em versos lá frente ele convida a musa pra “sair com você de mãos dadas / na tarde serena / um chope gelado / num bar de Ipanema / andar pela praia até o Leblon...”
Isso é Bossa Nova, isso é muito natural.
Hoje 93 anos de nascimento do nosso maestro soberano.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

ser divergente

Fumar na rua, usar blusas transparentes, ter cabelos eriçados, dizer palavrões, ter vários namorados... esse comportamento nos anos 20 não era para qualquer um, ou mais exatamente, não era para qualquer uma: assim era Patrícia Galvão, a Pagu, escritora, poeta, diretora de teatro, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante política brasileira.
Ficou conhecida como musa do movimento modernista, embora não tenha participado no início, pois tinha apenas 12 anos de idade. A ligação se fez mais tarde, por ter definido seu trabalho com as características e conceitos da Semana de Arte Moderna, integrando-se ao movimento antropofágico em 1929, e abalado o conservadorismo da época ao ser o pivô da separação do escritor Oswald de Andrade da artista plástica Tarsila do Amaral.
Pela sua ferrenha atuação nos sindicados e filiada ao Partido Comunista, Pagu foi a primeira presa política do Brasil, detida pela polícia de Getúlio Vargas ao promover uma greve dos estivadores no Porto de Santos.
Seguiram-se mais de vinte prisões, e por cinco anos torturada numa cela. Resistente e altiva, Pagu dizia “Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre”.
Faleceu de câncer aos 52, dois anos antes do Golpe de 64. Com certeza teria lutado contra a ditadura, continuado a cometer o crime de ser divergente.
Onde querem damares, #soumaisPagu.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

todo dia


assim falou Dalí

Em sua biografia As Confissões Inconfessáveis, o genial pintor catalão Salvador Dalí discorre em uma narrativa vulcânica histórias hilariantes, fatos inimagináveis, opiniões desavergonhadas sobre amigos, parentes, amores, arte, religião... São 20 densos e inquietos capítulos ironicamente intitulados como se fossem prescrições de aprimoramento pessoal a partir de como viveu, e não é nada disso ao mesmo tempo que é tudo e muito mais. A impressão que se tem na leitura é a de rápidas e ininterruptas pinceladas numa tela.
Lançado em 1973, quando ele tinha 69 anos, o “receituário” dos capítulos vai desde Como conviver com a morte, que abre o livro, passa por Como se livrar do próprio pai, Como descobrir a própria genialidade, Como orar a Deus sem acreditar Nele... e entre outras inconfissões nada surreais, finaliza com Como Dalí pensa na imortalidade.
Se Nietzsche o tivesse conhecido, teria se perturbado com a sensação de encontrar seu Zaratustra no paroxismo do delírio lúcido de Salvador Dalí.
Um livro que só poderia ser filmado por Buñuel, depois de muitos tratamentos de um roteiro feito por Carrière.
30 anos hoje que o pintor iniciou sua imortalidade.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

a casa

foto  ©Acervo Nirton Venancio

A cidade ontem era outra
foi crateús
quando volto crescido
(no expresso rápido do zé arteiro)
e procuro a asa que fui
na casa que foi:

(fazer dessa casa
:os mesmos tijolos de antes

os parentes seguiram no tempo
envelheceram
e desfolharam os janeiros no quintal
a casa encolheu suas paredes
feito as rugas na pele dos avós
das tias
das costureiras

das marias
das letícias
das gicélias

:
únicas em minha infância
múltiplas em minha saudade

as paredes envelheceram no tempo
seguiram
e encolheram os janeiros no quintal
a casa desfolhou seus parentes
feito a pele nas rugas das bisavós
e outros vós
e tantos nós

tiázinha
zebinha
joão

: o corpo frágil da bisa no fundo da rede
: a mão ágil do tio no fundo da oficina
: o rosto gil do primo no fundo do espelho

fazer dessa casa
:os mesmos tijolos de ontem.

A casa
sempre foi poema.
Cada dia,
um verso
cada filho,
poeta.

...........................................................
Trecho do meu próximo livro © Trem da memória - um poema, lançamento previsto para quando o carnaval passar.
Textos de apresentação:
Mailson Furtado
Valdi Ferreira Lima
mais do que prefácios, duas viagens no trem, um em cada janela.
Editora Radiadora
Coordenação editorial: Alan Mendonça
Impressão e acabamento: Expressão Gráfica

de volta ao futuro

foto: Portfolio Mondadori, 1948
O escritor inglês George Orwell, nascido na Índia, faleceu com apenas 46 anos, de tuberculose, em 21 de janeiro de 1950. Foi poupado de assistir pelo telão da telinha a vulgarização que fizeram com o personagem mais significativo da sua literatura, Big Brother, o Grande Irmão, um ser fictício do clássico e distópico romance 1984, que retrata o cotidiano de um regime político totalitário e repressivo.
Publicado em 1949, a certa altura lê-se que "o Grande Irmão está te observando", o que conota a vigilância invasiva frequente de uma sociedade oligárquica coletivista.
Orwell mais do que um futurista, foi um vaticinador. O mundo em que vivemos é exatamente o que está no romance, ou pior, por ser dissimulado. A antítese da utopia, onde a tecnologia é utilizada como ferramenta de controle, usada pelo Estado, instituições e corporações.
Um programa de televisão de extrema imbecilidade como BBB, - que numa infeliz coincidência começa sua 20ª edição hoje - é a metalinguagem caricatural desse poder midiático, que transforma espectadores em néscios operantes para o nada, dopados e incapazes da reflexão e discernimento para tudo.
Orwell não imaginaria que sua teoria de um futuro avassalador chegasse a tanto.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

meditando com David Lynch

O diretor de filmes esquisitos, inquietantes e magníficos, como Veludo azul (Blue velvet), 1986, Cidade dos sonhos (Mullohand drive), de 2001, Império dos sonhos (Inland empire), 2006, é um artista multifacetado, igualmente talentoso como fotógrafo, artista plástico e escritor.
Em 2008 David Lynch esteve no Brasil, foi entrevistado no programa Roda Viva, por ocasião do lançamento do seu livro Águas profundas: criatividade e meditação, uma compilação de vários textos que define como uma espécie de "autoajuda" para difundir a paz mundial. Em se tratando de David Lynch é recomendável levar a sério o que chama de "autoajuda".
.
A publicação trata de questionamentos sobre o sofrimento, tensão, raiva, conflitos no mundo em que vivemos, em um tom autobiográfico. "O cineasta não tem que sofrer para mostrar o sofrimento, deixe o sofrimento para os seus personagens'', diz em um trecho o autor que hoje completa 76 anos.

Basta ver os filmes dele que mesmo mentindo devo acreditar.

Federico Fellini, 100 anos

O simpático "voodoozinho" do cineasta italiano é obra da grande artista plástica cearense Lana Benigno, inspirado em uma cena de Fellini dirigindo os sonhos em Satyricon, 1969.
Presente na minha estante, presente em meu coração. Gratidão, Lana.

eu me lembro

Fantástico, onírico, nostálgico e memorialístico, Federico Fellini concebeu em Amarcord, 1973, um dos mais fortes libelos cinematográficos contra o fascismo. Autobiográfico, o cineasta ambienta seu delírio e expurgação nos anos 30 da Itália devastada pela figura pústula de Mussolini, pela moral repressora e destrutiva.
Na história, o personagem Titta é o alter ego do diretor. Mas todos os personagens que lhe rodeiam e habitam o passado nessa depuração de revogação nostálgica, são Fellinis. Mesmo não tendo tragédias sérias na família, o cineasta tomou posição e dizia que o fascismo aprisionou os italianos em uma adolescência perpétua de pesadelos, pelos tempos opressivos que viveram. O cinema lhe acolheu para espantar os fantasmas.
‘Amarcord’ é uma referência à tradução fonética das palavras "mi recordo" usada em Rimini, província da região de Emilia-Romagna, onde Fellini nasceu há 100 anos hoje.

paz sem medo

Numa noite de novembro de 2000, Marcello Yuka, o baterista e um dos fundadores da banda O Rappa, ao impedir um assalto a uma mulher no bairro da Tijuca, Rio, foi alvejado por vários tiros. Um atingiu a vértebra torácica e o deixou paraplégico. Nove anos depois, próximo ao mesmo local, foi assaltado com socos e pontapés e teve o aparelho celular roubado.
Sábado passado, dia 18, completou um ano que o músico faleceu vitima de infecção generalizada. Faleceu, numa dessas ironias cruéis, três dias depois que desgoverno tosco da alma sebosa assinou decreto que facilita a posse de armas.
Yuka foi um ativista da não violência, do desarmamento, lutava por igualdade e justiça, e seu enfrentamento por consciência social ia além do discurso, principalmente depois que ficou em cadeira de rodas.
De cada um dos três discos em que participou na banda, no mínimo sete de doze faixas são letras de sua autoria. O forte cunho social e ideológico que caracteriza O Rappa, numa mescla de rock, reggae e rap, tem em Marcelo Yuka o seu idealizador, mesmo depois de sua saída em 2002, por, segundo consta, divergências conceituais e discussões por dinheiro com o restante dos músicos.
Yuka continuou seu ativismo com outra banda, F.UR.T.O, 2005, teve sua vida relatada sem arrodeio no documentário No caminho das setas, de Daniela Broitman, 2012, expôs em uma espécie de certidão biográfica sua dor e resiliência no comovente livro Não se preocupe comigo, 2014, e cantou um sintomático comunicado amor e despedida no álbum solo "Canções para depois do ódio", 2017.
As letras de Yuka expressão beleza poética na denúncia social como pouco se viu nas composições da música brasileira nesses últimos vinte anos. Essa imponência e encanto marcam-se a partir dos títulos das canções, como Todo camburão tem um pouco de navio negreiro, incluída no primeiro disco da banda, 1994. Lado B Lado A, terceiro álbum, gravado em 1999, o mais consistente em letras e belamente melódico, envolvente, orgânico no sentido em que todas as faixas compõem um manifesto pela paz e justiça social. Minha alma (A paz que eu não quero), é ao mesmo tempo compêndio e resumo conceitual do disco.
O compositor tinha 53 anos. Sua obra continuará. Seus versos se propagarão pela memória e permanência. Recados tão conscientes, atentos e fortes, persistirão, como o aviso "a carne mais barata do mercado é a carne negra", brado retumbante de Elza Soares, ao cantar sua letra A carne, no disco Do cóccix até o pescoço, 2002.

os sonhos de Fellini

Do começo dos anos 60 até 1990, o cineasta Federico Fellini, aconselhado pelo seu psicanalista junguiano, manteve o hábito de, ao acordar, escrever o que tinha sonhado. E além de escrever, desenhava. Uma espécie de diário onírico ilustrado.
Muitas desses relatos e desenhos foram fontes para a composição de cenas e personagens de seus filmes.
Dois volumosos cadernos e dezenas de folhas avulsas com essas anotações, que o cineasta definia como “trabalhos noturnos”, ficaram guardados pelos seus herdeiros em cofre de um banco, de 1993, ano de sua morte, até 2006, quando a Fundação Federico Fellini adquiriu os direitos autorais e publicou Il libro dei sogni (O livro dos sonhos) organizado pelo roteirista e dramaturgo Tullio Kezich e o professor de história e cinema Vittorio Boarini.
A curiosa publicação revela tanto sonhos quanto pesadelos, e mostra o inconsciente inquieto e fascinante de um criador genial, com seus desejos, amores, medos, ansiedade, remorsos, erotismo, praticamente compondo uma análise dos mistérios e enigmas do ser humano.
Fellini dizia que desde pequeno tinha duas vidas: uma com os olhos abertos e outra com os olhos fechados.
Na foto abaixo, um flagrante da vida de olhos fechados do cineasta, enquanto descansava nos bastidores das filmagens de A doce vida, 1960.
Hoje 100 anos de nascimento do cineasta que fazia dos sonhos, filmes. E o cinema virou sonhos.

domingo, 19 de janeiro de 2020

o ovo rompeu a casca

“...e, portanto, pensar nele como um ovo de serpente, que incubado, deverá, em sua espécie crescer perigoso; e matá-lo na casca.”
Fala de Brutus, na peça Julio Cesar, de Shakespeare, escrita em meados do século 16.
A trama gira em torno da conspiração contra o personagem título, que aparece somente em três cenas. Com perfil de psicodrama, patriotismo, amizade e traição, a peça é uma atualíssima reflexão sobre sucessão de liderança e poder, despertando preocupante hipótese de guerra civil .
Da fala de Brutus, o cineasta Ingmar Bergman escolheu o termo “ovo de serpente” para o título de seu único filme de coprodução Alemanha e Estados Unidos, rodado em 1977, fora de seu país, pois o diretor estaria exilado em território alemão por problemas com o fisco sueco.
Ambientado logo após a I Guerra Mundial, o filme é terrivelmente premonitório em seu enredo, ao contar a trajetória de um judeu norte-americano em uma Berlim dos anos 20, arrasada em pobreza e violência, com o caos econômico e político, e um horizonte apavorante nos escombros do que viria na próxima guerra.
O título é apropriadíssimo e apavorante, Das schlangenei/The serpent’s egg, pois trata em toda a narrativa dos contornos do nascente movimento fascista e surgimento do nazismo.
Acima, gravura de Edward Scriven, 1802, Brutus enfrenta o fantasma de César em alusão a uma cena de Julio Cesar, e o ator David Carradine no papel de Abel Rosenberg em O ovo da serpente.
De Skakespeare a Bergman, o ovo incubado rompeu a casca e continua apavorando a humanidade. Inclusive por aqui no lado debaixo do Equador, no Ano 2 da Era Tosca em que estamos vivendo.

a pimentinha

Elis Regina esbanjando talento aos 11 anos, em um programa na Rádio Farroupilha, Porto Alegre, 1956.
Hoje, 37 anos que ela fez a transversal do tempo.

the pearl

foto Marjorie Alette
Janis Joplin aos 19 anos, em Austin, Texas, 1962.
Hoje ela faria 76.

os muros da embaixada

Em 2018 o cineasta italiano Nanni Moretti estava em Santiago, Chile, e soube que a embaixada de seu país teve papel importante para os opositores de Pinochet. Logo após o golpe que bombardeou o Palácio La Moneda e assassinou o presidente Salvador Allende, muitos militantes buscaram abrigo na sede da representação da Itália.
Durante o início da ditadura sanguinária, centenas de chilenos moraram na embaixada, famílias com crianças ocupando todos os espaços possíveis, em espírito coletivo de solidariedade entre italianos e chilenos. A Itália era governada pelo democrata cristão Giovanni Leone, que concedeu asilo aos refugiados.
O documentário Santiago, Itália, 2019, conta, através de depoimentos e imagens da época, como foi aquele período de desespero e acolhimento. O próprio diretor Nanni Moretti conduz a narrativa, entrevistando políticos, líderes sindicalistas, embaixadores (“Não tínhamos mais controle, as pessoas pulavam o muro da embaixada para entrar”, diz um deles), cineastas que se posicionaram contra a ditadura, como Patricio Guzmán e Miguel Littín, e dois militares que participaram do golpe – um dos momentos mais importantes do filme.
O cineasta conversa com o general Eduardo Iturriaga na cadeia, onde cumpre pena por sequestros e assassinatos durante o governo Pinochet. Tranquilo, nega todas as acusações. Ao final da entrevista, fala para Moretti que não costuma aceitar pedidos para falar daquele período, e somente abriu exceção porque fora informado que o cineasta teria uma visão “imparcial” sobre o assunto. Até então Moretti estava em off na condução das entrevistas, mas aparece nessa cena (vídeo acima) ouvindo o general, e num ponto de corte de sua fala, diz “Mas eu não sou imparcial”, deixando clara sua posição contra a ditadura. O general franze a testa. “Eu não sou imparcial”, repete o cineasta, e olha para alguém da equipe, como um pedido “traduza para ele”.
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sábado, 18 de janeiro de 2020

poeta dadamídia

foto Ivan Chargas, 2012
ABZ do rock brasileiro é a mais completa enciclopédia analítica sobre o rock no Brasil, dos anos 50 até 1980. Escrita com precisão pelo poeta, músico, pesquisador e roteirista de cinema Marcelo Dolabela, publicado em 1987, pela Editora Estrela do Sul, é imprescindível para se conhecer e compreender as origens do rock na década de 50, a sua conceituação como estilo e comportamento nos anos 60, a postura de rebeldia na década de 70, e a sua transformação ao se render aos ditames do mercado nos anos 80.
Todo esse painel abordado no âmbito mundial é contextualizado na linha do tempo do gênero musical no Brasil, as influências, as questões sociopolíticas, a fusão com ritmos locais, em particular ao rock que se fazia em Minas Gerais, estado natal do autor. O que se pesquisa sobre o gênero musical no Brasil, nestes tempos de internet de 2000 para cá, tem como referência o que foi elaborado por Marcelo Dolabela.
Autor de ótimos livros de poesia, Hai Kaixa 1993, Poeminhas & outros poemas, 1998, por exemplo, criativos trabalhos de arte postal, roteiros para os documentários Uakti - Oficina Instrumental, de Rafael Conde, “Arnaldo Baptista – Maldito popular brasileiro”, “Plano sequência”, “Adeus, América”, todos de Patrícia Moran.
Artista multimídia, ou dadamídia, como preferia, pelas características de seus trabalhos, Marcelo Dolabela foi integrante da banda Sexo Explícito e líder dos grupos Caveira, My Friend e Divergência Socialista, com performances poético-musicais, a exemplo das apresentações cativantes do colega de geração, poeta Ademir Assunção, com a banda Buena Onda Reggae Club, em São Paulo.
Dolabela faleceu hoje em Belo Horizonte aos 62 anos, consequência de um AVC, ano passado.
De A a Z, Marcelo Dolabela deixa um legado na história da poesia brasileira. E um alfabeto inteiro de saudade.

três meninas do Brasil, três corações democratas

A cineasta Erika Bauer, a ativista ambientalista Ângela Mendes e a líder indígena Sonia Bone Guajajara.

versos em alto-mar

Das belezas da cultura do nosso Brasil brasileiro.
Em 1938, o jovem de 24 anos Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes, o futuro 'poetinha', ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford.
Em setembro daquele ano, a bordo do navio Highland Patriot, escreveu o belamente dolorido Soneto da separação, motivado pela saudade da namorada Tati, que se tornaria sua primeira esposa.
Os versos partem de uma ausência, e não de uma ausência que nos parte quando tudo, “de repente, não mais que de repente”, se faz “triste o que se fez amante”.
Mas por licença poética, e desespero de causa mesmo, se conjuga nas duas ausências... quando se faz “da vida uma aventura errante”. Pronto.

seis por meia dúzia


cai o rei de pau


sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

fora!


"Sectário" é demitido após repercussão do discurso
Mas o projeto nazista de cultura continua.

manhã sombria

Em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, os ideais nazistas, sob o comando do ministro da Propaganda Joseph Goebbels, atingiram de forma implacável tudo que fosse crítico ou desviasse do pensamento imposto pelo infame regime.
O “sectário” especial da falta de cultura do desgoverno brasileiro, um “dramaturgo” com sérios distúrbios intestinais-celebrais, em seu pronunciamento ontem ao anunciar o Prêmio Nacional das Artes, copiou-colou o discurso de Goebbels que obrigava, como é próprio dos ditadores, “uma heroica arte alemã”, “livre de sentimentalismo”, “imperativa e vinculante, ou então não será nada”.
A queima de livros em junho de 1933, em várias praças públicas de cidades alemãs, é um dos fatos mais simbólicos desse período cruel, no que atinge os pontos nevrálgicos do espírito da humanidade: a educação e a cultura.
Entre inúmeros escritores que tiveram suas obras queimadas, o alemão Thomas Mann, autor de Os Buddenbrooks, Morte em Veneza, A Montanha Mágica, Nobel de Literatura em 1929, foi um dos mais perseguidos pelo regime nazista. Foi embora para a Suíça, e de lá para os Estados Unidos, mas logo atormentado pelo mccarthismo.
O educador português, radicado no Brasil, Carlos Seabra, à propósito do escritor e da gravidade em que vivemos, escreveu hoje que “Nesta manhã sombria para a cultura brasileira, vale lembrar o que alertava Thomas Mann, um dos maiores alvos das ações de Goebbels"
“O estado de espírito excêntrico de uma humanidade que fugiu de seus ideais corresponde a uma política no estilo grotesco, com atitudes de exército de salvação, espasmos em massa, aleluias e a repetição de frases de efeito monótonas até que a boca esteja espumando. O fanatismo se torna um princípio de cura, o entusiasmo um êxtase epilético, a política se torna um ópio em massa do Terceiro Reich ou uma escatologia do trabalhador, e a razão esconde sua face.”
Qualquer semelhança não é “coincidência retórica”, como defende-se o presunçoso e asqueroso “sectário” sobre a repercussão de seu discurso.
O ovo incubado da serpente rompeu a casca.

faltou o bigode

Sobre o pronunciamento do "sectário" especial da falta de cultura, com sérios e assustadores distúrbios nazifascistas.

o fiel operário

No dia 17 de janeiro de 1976, durante o governo Geisel, o operário metalúrgico alagoano Manoel Fiel Filho foi “suicidado” nos porões do DOI-CODI/SP, três meses depois de encenarem o mesmo com o jornalista Vladimir Herzog, na onda de repressão violenta e desaparecimentos sumários do período da ditadura militar no Brasil.
Apesar da “preocupação” do general na presidência da República, que afastou o comandante do II Exército, Ednardo D'Ávila Mello, a linha dura não perdeu o fôlego e logo estaria o general Erasmo Dias espalhando terror.
Muitas dessas informações e questionamentos estão no livro Manoel Fiel Filho: quem vai pagar por este crime?, do jornalista Carlos Alberto Luppi, corajosamente lançado em 1980, e uma das publicações que serviu de base na pesquisa para o documentário Perdão, Mister Fiel, de Jorge Oliveira, 2009, premiado no Festival de Brasília.
Acima, Dona Theresa de Lourdes Fiel, viúva.

quem segura o porta-estandarte tem arte...

foto Daryan Dornelles, 2016
Das belezas da cultura do nosso Brasil brasileiro.
Hoje o maracatu atômico Jorge Mautner completa com raça 79 anos. Toda fauna-flora grita de amor!
Escrevo seu nome só pra mostrar o meu apego: anamauê, auêia, aê!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

"eu assubo nos aro e vou brincar no vento leste"

- João, de onde você tirou esse “vento leste”?
- Ah, Luiz, de noite eu liguei o rádio na Hora do Brasil e ouvi: ‘aviso aos navegantes: vento leste soprando pra sudoeste’.

O diálogo foi entre os cantores e compositores, o maranhense João do Vale e o pernambucano Luiz Vieira, autores da clássica Na asa do vento, de 1956, gravada inicialmente por Dolores Duran.
Esse e muitos outros 'causos' de parcerias estão no livro MPBambas – Histórias e memórias da canção brasileira – Vol. 2, de Tarik de Souza, Editora Kuarup, lançado em 2016.
João do Vale, de origem simples e semianafalberto, muito espirituoso achava que tinha que colocar umas 'palavras difíceis' para impressionar em suas composições. E tudo fazia sentido. “A simplicidade é o último grau da sofisticação”, como dizia Leonardo Da Vinci.
Na asa do vento, gravada pelos autores, por Caetano Veloso, Ednardo, banda de reggae Mano Bantu, Anna Torres, Marlui Miranda, Dora Vergueiro, grupo Tarancón, Duo Taufic & Barbara Casini, Fagner, e por tantos outros, cantada por Belchior no programa Viola Minha Viola, da TV Cultura, em 1998, acompanhado por Dominguinhos, é uma das mais conhecidas do repertório de Luiz Vieira, ao lado de Menino de Braçanã (com Arnaldo Passos) e Prelúdio pra ninar gente grande, mais conhecida como Menino passarinho.
João do Vale faleceu em 1992, aos 72 anos. Luiz Vieira, cantador, como gostava de ser chamado, “assubiu nos aro” e foi brincar noutro vento leste com João, hoje de manhã, aos 91 anos.

o mal da ficção

“O mal da ficção é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido. A ficção tem unidade, tem estilo. A realidade não possui nem uma coisa nem outra. Em seu estado bruto, a existência é sempre um infernal emaranhado de coisas.”
À propósito da fala absurda do dramaturgo com sérios distúrbios digestivos-cerebrais que ocupa a Secretaria Especial de Cultura do Brasil, sobre o documentário Democracia em vertigem, de Petra Costa: “Se fosse na categoria ficção, estaria correta a indicação”, para o Oscar.

A fala no início é do personagem John Rivers, do livro O Gênio e a Deusa, de Aldous Huxley, publicado em 1955. E claro, a analogia de viés aqui feita com a declaração estapafúrdia do “sectário” olavista, é uma reflexão sobre a gravidade em que este país (sobre)vive com o desgoverno em todas as áreas, principalmente nos pontos nevrálgicos do espírito de uma nação: a educação e a cultura.
Viva o cinema brasileiro! Viva Paulo Freire!

sinfonia de pardais

foto Acervo Arquivo Nacional, 1972
Celebra-se hoje o Dia Mundial do Compositor, de origem no México, em 1945, por ocasião da fundação da Sociedade de Autores e Compositores do México.
Vale lembrar que no Brasil a data é comemorada em 7 de outubro, Dia do Compositor Brasileiro, criada pelo grande Herivelto Martins, em 1948. Seis anos antes ele fundou a União Brasileira de Compositores. E bem antes, em 1937, criou o lendário conjunto vocal Trio de Ouro, juntamente com Raul Sampaio (autor de Meu pequeno Cachoeiro, gravada por Roberto Carlos em 1970) e Shirley Don. O trio durou até a morte de Herivelto, em 1992, aos 80 anos.
Herivelto vivia 24 horas a música brasileira, escrevendo, compondo, gravando, fazendo shows. Preocupava-se com a situação de nossos compositores, lutou pela regulamentação da profissão e pela garantia dos direitos autorais. Pixinguinha costumava dizer em público, quando o encontrava, que “Devo a minha aposentadoria a esse homem. Ele foi muito importante, um grande político sem ser político”.
A clássica Ave Maria no Morro, composta em 1943, foi gravada inicialmente pelo Trio de Ouro, por Dalva de Oliveira, e depois Angela Maria, Nelson Gonçalves, Eduardo Araújo, Gal Costa, Maria Bethania, Peri Ribeiro, Agnaldo Rayol, Tetê Espínola, Baby (quando Consuelo), Elza Soares, João Gilberto, Caetano Veloso, Emílio Santiago, Mônica Salmaso, e muitos outros intérpretes. A composição teve uma curiosa carreira internacional a partir dos anos 60, tocada em órgãos nas monumentais catedrais da Alemanha, Áustria, Suíça, Suécia, Itália, impercáveis interpretações como as de Luciano Pavarotti e Andrea Bocelli, Zucchero, James Last & Chor & Orchester, Helmut Lotti, The Hootenanny Singers, Czeslaw Niemen, Semino Rossi... a lista é longa.
Herivelto inspirou-se para criar a canção na singela capelinha no Morro da Favela, onde tinha uns pardais sobrevoando e cantando. O compositor ficava ali na frente, ao anoitecer, admirando, tomando uma cachacinha na hora da Ave Maria, e jamais imaginou que sua prece musical chegasse tão longe.
Em 1964 a espanhola Sarita Montiel, interpretando uma cantora brasileira, canta Ave Maria no Morro no filme Samba, de Rafael Gil, produção da Espanha com enredo esquisito ambientado na Favela do Salgueiro, Copacabana e outros pontos turísticos, antes da personagem seguir para Buenos Aires.
A banda alemã Scorpions, em 1995, ao se apresentar em um show no México, e com a intenção de homenagear Sarita Montiel, que ali fez carreira cinematográfica, canta uma versão em espanhol de Ave Maria, surpreendentemente acústica para uma banda de hard rock. A de Eduardo Araújo é muito mais rock.
E porque dia 7 para comemorar o dia do compositor, Herivelto Martins nunca esclareceu. Há uma lenda, reforçada por sua filha, a atriz Yaçanã Martins, que o pai era secretamente esotérico e considerava o número muito mágico.
Tanto 15 de janeiro quanto 7 de outubro, hoje é um dia para lembrar que todos os dias são dos compositores, de Rudolf Schenker do Scorpions a todos os heriveltos brasileiros. Eles bem sabem quanta abnegação para afinar e sobreviver com as cordas que amassaram neste país.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

muito em tão pouco

“O médico perguntou: O que sentes? E eu respondi: Sinto lonjuras, doutor. Sofro de distâncias.”
“Desperta-me em braile, suplicou, cega de amor, na noite branca dos lençóis”.
“No leito de morte, o ateu questionava-se: ‘Se vou para o céu, porque vão me colocar embaixo da terra?’”
“A Eva foi a primeira garota-propaganda da Apple. ‘Steve Jobs’”
“Desato-me em nós”.
Essas micronarrativas preciosas são de autoria do amigo Denison Mendes, publicadas em seu livro Bonsais atômicos, 2010. A primeira está sendo replicada nas redes sociais como sendo de Caio Fernando Abreu. Além da admiração, Denison tem por Caio a conterraneidade: são gaúchos.
Sem a rigidez estética do haicai, a beleza desses textos que se mesclam entre o microcontos e poemetos horizontalizados, é a precisão e profundidade do conteúdo no formato reduzido.
Ao contrário do que se possa apressadamente imaginar, requer ao autor a habilidade com as palavras para adentrar nos sentidos.
O contato sensorial na pele das palavras extrai o conteúdo.
Nestes tempos de comunicação virtual da Idade Mídia, muito se propagou, como uma espécie de desafio, textos criativos através dos 140 caracteres do Twitter. Denison Mendes foi um dos que se revelaram.
Quem escreve bem, escreve muito em poucas palavras.