terça-feira, 17 de agosto de 2021

saudações musicais


fotos Rubens Venancio

Ele chegou à locação, bar Tenda Nômade no bairro Cidade 2000, em Fortaleza, na manhã ensolarada de uma terça-feira, com sacolas cheias de vinis e pastas com recortes de jornais sobre música, programas de shows, bilhetes de artistas, credenciais de eventos que participou... Além da “ruma” de discos, olhando aquelas pastas identifiquei outra sintonia comigo, uma rima nos gostos e manias: ele é um “catador de papel” organizadíssimo. Mais um apaixonado irrecuperável na mesma ala desse manicônio na persistência pela preservação da memória. Vendo aquele material tão rico e pulsante de arte, pessoas e tempo, veio-me à lembrança trechos do poema de Antônio Cícero, musicado por sua irmã Marina Lima, “Guardar”: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. / Em cofre perde-se a coisa à vista. / Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.”

Pois o guardador iluminado por tantos papeis e discos entrou com um sorrisão estampado. Parecia que chegava para o seu programa Pessoal do Ceará no estúdio da Rádio Universitária FM 107,9, ou para uma dessas sessões de DJ em que apresenta, ali mesmo na Tenda, às sextas-feiras, e comenta as músicas, com a precisão de datas, nomes dos instrumentistas e outras curiosidades que enriquecem a história da cena musical brasileira e internacional, é um dos maiores conhecedores de toda obra dos Beatles: Nelson Augusto, jornalista, radialista, pesquisador.
Ele é uma de minhas referências na pesquisa para escrever o projeto do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. “Adolescente frequentei o Bar do Anísio, e quem me levou foi o grande compositor e violonista Wilson Cirino, vizinho aqui na Cidade 2000. Foi daqui onde tudo começou pra mim”, revela, apontando para os raios de sol na Tenda, situando sua participação na história da música feita no Ceará. "Foi uma emoção enorme quando ouvi canções criadas nas mesas do Anísio tocando nas rádios no começo dos anos 70”, diz referindo-se a Beira mar, de Ednardo, gravada no álbum Pessoal do Ceará – Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem. Sobre o seminal disco de 1973, Nelson, com uma convicção de quem se aprofunda, esmiúça e fecha uma síntese, diz que “É o ‘Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band’ da música cearense brasileira!”, compara, pela inovação conceitual das canções.
Quando em 1981 foi instalada a Rádio Universitária, uma espécie do que hoje chamamos de equipamento, pertencente a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, da UFC, Nelson recebeu convite do professor Marcondes Rosa para escrever um programa de música, e até mesmo apresentar. “Vixe! Eu não tenho voz para isso! Não sou um locutor com vozeirão marcante de Everardo Sobreira”, lembra, dando o devido reconhecimento ao radialista que apresentou por mais de três décadas o programa Antologia da Música Popular Brasileira, na Universitária. Mas o jovem Nelson foi praticamente “intimado” e arriscou, “com essa minha voz aqui mesmo, que estou conversando. Com o tempo fui me soltando”. A proposta da rádio era manter uma programação composta de alunos e professores dos cursos da própria universidade, da qual Nelson era estudante de letras. E um desses mestres da sala de aula era o cantor e compositor Rodger Rogério, professor de física e diretor da rádio. Numa dessas artimanhas do universo, Nelson tinha como chefe o músico que tanto admirava no Bar do Anísio.
Essa e tantas outras histórias, como quando conheceu Belchior através de sua irmã Angela, colega do curso – “quando a vi entrando na sala, se colocasse um bigode eu diria que era ele - Nelson contou em mais de uma hora de conversa com aquela voz de locutor que ele não acreditava que desse certo e se tornasse uma das marcas registradas da Universitária, assim como a da atriz, cantora e jornalista Marta Aurélia.

A cada dia no percurso final das filmagens do documentário, mais me conscientizo da dificuldade - da grata dificuldade! - que teremos eu e montador Rui Ferreira na edição com tantas histórias expressivas e surpreendentes sobre a história da nossa música, nesse recorte a partir do que se denominou Pessoal do Ceará.
A ele, Nelson Augusto, envio o seu bordão-mantra que sempre entoa em seus programas e textos nas redes sociais: saudações musicais!
E saudações cinematográficas à equipe que comigo na mesma ala compõe a cada take esse documentário: o produtor executivo Clebio Viriato, os diretores de fotografia Alex Meira e Leo Mamede, o técnico de som Afonsino Albuquerque Filho, o assistente de câmera Nildo Silva, o chefe eletricista Assis Nunes, os assistentes de produção Marcio Marinho e Leyla Alencar, o stil e making of Rubens Venancio.

Nenhum comentário: