foto Chris Machado
Franzino, alegre e sorridente por trás da máscara, o arquiteto Delberg Ponce de Leon recebeu em seu escritório em Fortaleza a equipe do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B com três folhas de papel na mão. Achegou-se mais e arriscou um abraço. “Estamos duplamente vacinados!”, disse com mais sorrisos. Por uns segundos lembrei-me de um trecho de Poema de sete faces, de Drummond, e em pensamento ousei uma paráfrase: “o homem atrás da máscara / é simpático, simples e forte / conversa muito / tem muitos, amigos raros / o homem atrás dos óculos e da máscara”.
Puxou-me para balcão de mármore ao lado e estendeu os papéis. “Não sei o que você vai perguntar na entrevista pro filme, mas eu fiz aqui um roteiro do que quero falar”, e apontou o título dos itens: “Pessoal do Ceará – Espacialidade”. Antes que eu falasse que tinha gostado da iniciativa, foi logo justificando, e sempre sorrindo: “Eu não sou cantor, não sou compositor, sou arquiteto, então vou falar sobre os espaços por onde andava aquela turma que depois veio se chamar Pessoal do Ceará”. E outra vez antes que eu dissesse que era exatamente isso que eu queria ouvir dele, desceu vagarosamente o dedo indicador em cada item: “Olha, eles começavam assim... Liceu... universidade... Praça do Ferreira... tem o movimento estudantil, DCE, o Gruta (Grupo Universitário de Teatro Amador), os saraus... as festas culturais...” e vai espaço abaixo desenhando com o dedo esse croqui de uma geografia afetiva de uma turma alegre, inquieta, em busca do novo com seus menos de 25 anos de sonhos, muito sangue nas veias e na América do Sul.
Fausto Nilo, Flávio Torres, Brandão, Augusto Pontes, Cláudio Pereira, Belchior, Ednardo, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra... “éramos muitos, muitos”, lembrou, já com o indicador no bar Balão Vermelho, na calçada do edifício Jalcy, na avenida Duque de Caxias, até finalizar no item Bar do Anísio, casa de liberdades, das biquaras assadas de dona Augusta, no início da Beira-mar de uma Fortaleza ainda das dunas brancas.
Delberg já me surpreendeu ali mesmo enquanto a equipe de fotografia e som preparava o set em sua sala no escritório. “O Fausto me ligou ontem e perguntou ‘e aí, já deu a entrevista pro filme do Nirton?”, disse mencionando o seu colega arquiteto há 60 anos e sócio em dezenas de projetos. “Ainda bem que você não está aqui, eu disse pra ele”, sempre, sempre rindo, “o Fausto fala sem parar, e eu já não falo muito, sou até um pouco gago!”, revelou entre mais sorrisos, contradizendo tudo que eu via, ouvia e me encantava.
Assim foi a recepção de Delberg na jovialidade dos seus 77 anos. O que se desenvolveu na entrevista vai me dar trabalho na edição, de tantas ótimas histórias que aconteceram naqueles cantos que ele listou na sua “cola”, e de vez em quando diante das câmeras dava uma olhadinha para ver se estava seguindo mesmo a ordem do trajeto.
Na arquitetura, um croqui é um esboço sem exigência de traços precisos, e o riscado de desenhos rápidos expressa ideias futuras de um trabalho específico. A imaginação cria asas em outras folhas a partir daquela. Delberg desenhou na rapidez de uma lista para nortear a sua fala e criar asas na entrevista, erguer e expor a essência espacial de uma geração. Uma turma que tinha a arte e a alegria dos encontros como suporte de resistência àqueles tempos entre o som e a fúria dos anos de chumbo.
Fascinado que sou por croquis, pedi-lhe de presente aquela folha. “Tome, pode ficar”, disse Delberg passando-me uma que era fotocópia. “Não, Delberg, a original, e assinada, pode ser?” E entre mais sorrisos autografou e me entregou. Tenho agora o desenho dos passos do Pessoal, uma das peças para a exposição na semana de lançamento do filme.
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