quarta-feira, 4 de agosto de 2021

vamos pro Bar do Anísio!

fotos ©Rubens Venâncio

- Bom dia, 'seu' Anísio. Vou para o terceiro andar. O senhor está morando na avenida Beira-mar agora, né? Eu costumo passar as férias lá, com minha família! O que faz falta é um lugarzinho bom pra comer ali, viu? A sua esposa cozinha bem, não é? Já ouvi maravilhas da comida dela! Por que vocês não começam a vender uns salgadinhos por ali? Garanto que eu e muitos amigos iríamos! Vou ficando por aqui, Anísio. Bom dia!

Essa conversa está reproduzida no livro Bar do Anísio – Casa de Liberdades, da jornalista Isabela Bosi, Edições UFC, 2013, o primeiro e único trabalho de pesquisa sobre o icônico bar na Fortaleza do final dos anos 60 para meados da década de 70, que serviu de gênese do que se veio a se chamar Pessoal do Ceará na história da música brasileira.
Anísio Muniz de Souza era ascensorista do azul-anil edifício Diogo, ali na rua Barão do Rio Branco, a um quarteirão do coração da capital cearense, a Praça do Ferreira. No abre-e-fecha da porta sanfonada, no sobe-e-desce dos nove andares, Anísio ouviu vários comentários semelhantes ao daquele senhor que sugeriu vender uns salgadinhos, fazer umas comidinhas. “Vou conversar com Maria Augusta”, dizia Anísio, referindo-se a sua esposa, abrindo a porta para um, apertando o botão para outro. A Beira-Mar era distante, a casa de Anísio ficava ainda mais longe, no final da larga via com coqueiros, árvores frondosas, areia fina de dunas, e visão para o Porto do Mucuripe com poucos navios.
Entre os passageiros diários do veículo vertical pilotado pelo ‘seu’ Anísio, o jovem estudante de física Francisco Flávio Torres de Araújo, que trabalhava no escritório de seu pai, e já vizinho, pois este alugava uma casinha pros fins de semana próxima a do Anísio.
Partiu de Flávio a iniciativa de convidar seus colegas da universidade, que viviam pelos pátios e bares próximos aos cursos, tocando violão, discurtindo política naqueles terríveis anos de ditadura recente, falando da vida... E assim chegaram ao bar do Anísio Augusto Pontes, Fausto Nilo, Rodger Rogério, Teti, Amelinha, Petrúcio Maia, Brandão, Ednardo, Jorge Mello, Olga Paiva, Wilson Cirino, Mércia Pinto, Isabel Lustosa, Fagner, Belchior, Ricardo Bezerra, Claudio Pereira, Ieda Estergilda Abreu, Roberto Aurélio, Alba Paiva, e tantos outros pessoais.
Professor aposentado, ex-senador pelo PDT, Flávio Torres em entrevista para o meu documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B, conta com impressionante riqueza de detalhes as intermináveis noites de boemia, música e poesia ao redor das mesas do Bar do Anísio, ao sabor das biquaras assadas de dona Augusta. "No Anísio tinha cerveja geladinha, comidinha saborosa, e até alugava calção de banho", conta com uma risada de saudade.
Com a equipe coordenada pelo produtor executivo Clebio Viriato, direção de fotografia de Alex Meira e Leo Mamede, captação de som de Afonsino Albuquerque Filho, continuísta Priscilla Sousa, assistente de fotografia Nildo Silva, chefe eletricista Assis Melo, assistente de produção Marcio Marinho e fotografia de cena de Rubens Venâncio, o filme cobre de forma crítica e minuciosa dez anos da história da música cearense, num recorte de 1969 a 1979, quando aconteceu o evento Massafeira Livre no Theatro José de Alencar.
Foram igualmente dez anos de pesquisa, elaboração do projeto, tentativas de financiamento, e filmagens que estão acontecendo graças ao edital da Lei Aldir Blanc de Audiovisual da Secult-CE, no meio dos cuidados e perplexidade de uma pandemia.
A cada take de cada entrevista no set, o eco da casa das liberdades do bar do Anísio.

Nenhum comentário: