domingo, 29 de agosto de 2021

ilha de edição


O recurso narrativo cross-curting criado pelo cineasta Sergei Eisenstein no início dos anos 20 define a técnica de corte entre ações paralelas, estabelece tramas em diferentes locais ou situações e têm significados conotativos na simultaneidade do enredo.

Em seu cinema estão ampliadas, testadas, aprovadas e cristalizadas as mais revolucionárias teorias de montagem. O experimento de Eisenstein foi decisivo para consolidar o conceito de edição, o efeito potencial, emocional e reflexivo da imagem no público.
Neste setembro que chega, inicio a fase de edição do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B, com o comando do montador Rui Ferreira, um dos mais experientes do cinema brasileiro. Nossa sintonia conduzirá nos próximos meses, em expedientes diários de oito horas, o processo de dissecar o material bruto armazenado em teras e teras de HDs, lapidar o tempo, a trama, as falas e os silêncios. No caso desse filme, além das entrevistas, que direcionam a narrativa, dezenas de fotografias, páginas em fac-símiles de jornais e revistas, vídeos VHS, trechos de filmes originais em bitolas 35mm, 16mm, super-8. Na simetria do tempo do suporte analógico à formatação múltipla do digital, a informação e a emoção na simultaneidade do enredo que Einsestein preconiza.
Em um quadro, num esquema de escaleta, os nomes de todos os entrevistados e os tópicos dos assuntos pertinentes a cada um no que pretendo contemplar, analisar e discutir sobre a música produzida no Ceará no recorte histórico de 1969-1970 a 1979-1980, da gênese do que veio a se chamar Pessoal do Ceará aos quatro dias do evento de som, música, movimento e gente da Massafeira Livre, no Theatro José de Alencar, em Fortaleza.
A lista no quadro é apenas – e necessariamente - o primeiro passo de uma jornada que requer disciplina, concentração e criatividade, substantivos que caracterizam ao trabalho de Rui Ferreira.

sábado, 28 de agosto de 2021

por que você faz cinema?


fotos Leo Mamede

Para chatear os imbecis.
Para não ser aplaudido depois de sequências, dó de peito.
Para viver a beira do abismo.
Para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público.
Para que conhecidos e desconhecidos se deliciem.
Para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo.
Porque de outro jeito a vida não vale a pena.
Para ver e mostrar o nunca visto,
o bem e o mal, o feio e o bonito.
Porque vi 'Simão no deserto'.
Para insultar os arrogantes
e poderosos quando ficam como 'cachorros dentro d'água' no escuro do cinema.
Para ser lesado em meus direitos autorais.

Em 1987 o jornal francês Libération fez a pergunta acima, no título, ao cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade. A resposta foi esse ótimo texto, refletindo as dificuldades e garra de filmar os roteiros do Terceyro Mundo, como dizia Glauber Rocha.
No processo de finalização do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B, peguei-me várias vezes com essa reflexão do grande diretor de Macunaíma. Para cobrir de forma crítica e minuciosa um recorte na história da música cearense, da gênese no final dos anos 60 do que veio a se chamar Pessoal do Ceará no cenário musical brasileiro, aos quatro dias de som, imagem, movimento e gente da Massafeira Livre, em 1979, no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, foram dez anos de pesquisa, elaboração do projeto, tentativas de financiamento, e filmagens, que agora, graças ao edital da Lei Aldir Blanc de Audiovisual da Secult-CE, estão na última semana, em meio aos cuidados de uma pandemia e caos político de um pandemônio.
Com a equipe coordenada pelo produtor executivo Clebio Viriato, direção de fotografia de Alex Meira e Leo Mamede, técnico de som Afonsino Albuquerque Filho, continuísta Priscilla Sousa, assistente de fotografia Nildo Silva, chefe eletricista Assis Nunes, assistentes de produção Marcio Marinho e Leyla Alencar, edição de Rui Ferreira, stil e making of de Rubens Venancio, Pessoal do Ceará – Lado A Lado B é um projeto que me fez atravessar águas difíceis de um rio, e está lavando minh’alma de alegria a cada take cantado, enfrentando as adversidades de uma sempre cara produção cinematográfica e a distopia atual que esse desgoverno alma sebosa imprime diariamente. Desde sempre desisti de desistir.
Precisamos de comida, educação e arte, e não de fuzil. De outro jeito a vida não vale a pena. Por isso fazemos cinema.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

de volta ao menino


Ele tinha apenas 14 anos quando no final dos anos 60 foi "assistente do assistente do assistente" de produção do programa Gente Que a Gente Gosta, apresentado por Gonzaga Vasconcelos na TV Ceará Canal 2, sob o olhar de desaprovação do seu tio Guilherme Neto, diretor da emissora, que avisava para a família que não via futuro naquele menino no meio de artistas. E esses artistas eram Ednardo, Fagner, Belchior, Jorge Mello, Rodger Rogério e tantos outros que no palco, ao vivo e em preto e branco, começaram as carreiras de cantores e compositores do que a partir dos anos 70 veio a se chamar Pessoal do Ceará.

"E eu nem deveria estar trabalhando, era um menino!", lembra com uma risada o ator Ricardo Guilherme, um dos mais talentosos e consagrados do teatro cearense. Ele estava no ambiente mágico de televisão porque sabia, tinha certeza que ali era o seu mundo, queria ver e aprender, fazendo de tudo um muito.
Tempos depois, quando aqueles artistas despontaram no cenário musical nacional, Ricardo se deu conta de quanto a vida foi generosa em dar a oportunidade de vê-los no começo de tudo, ouvir canções ainda em versões primitivas, na rusticidade dos primeiros rascunhos melódicos. E daquele menino todos se lembram. Ednardo citou seu nome em entrevista. Fagner se surpreendeu quando, num desses encontros casuais, conversando sobre o programa, Ricardo cantou o tema de abertura de Porque Hoje é Sábado, que antecedeu ao Gente Que a Gente Gosta. Mais surpreso ficou Ricardo quando o cantor disse ser o autor.
Emocionado com o convite para uma entrevista para o documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B, e contar várias histórias que presenciou com os artistas - "era eu quem anotava os nomes deles para fazer o pagamento", disse com orgulho brilhando nos olhos - Ricardo emocionou-me igualmente ao lembrar de como nos conhecemos em 1981, quando fotografei a peça que dirigiu e atuou, Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde, em apresentações em Fortaleza e Brasília. Sete anos depois integrou a equipe do meu primeiro filme, Um cotidiano perdido no tempo, ajudando-me na direção de atores.
"Você me fez voltar ao quase menino que hoje fui, conhecendo os lados A e B da pioneira TV Ceará. Bonito voltar a nós, Nirton."

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

as primeiras fotos

 
fotos Rubens Venâncio

- O que é que eu estou fazendo nesse filme se eu não toco nenhum instrumento, não canto nem sou compositor? - perguntou-me Gerardo Barbosa quando o convidei para uma entrevista para Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. E antes que eu justificasse sua presença no documentário, ele me enviou uma mensagem pelo WhatsApp dizendo que “gosto muito de ouvir música”,tentei estudar piano com professora particular, dona Branca Rangel”, “tentei estudar violino no conservatório Alberto Nepomuceno”, e que, entre diversos itens que configuram uma pauta para nossa conversa, considera que o que se chamou Pessoal do Ceará “é mais do que do Ceará”.

Mas a razão principal que me motivou o convite quando elaborava o projeto do filme, é que Gerardo Barbosa é o autor das fotos das capas de dois discos emblemáticos lançados logo após o seminal álbum Pessoal do Ceará – Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem, de 1973: os primeiros de Ednardo, Romance do Pavão Mysterioso, 1974, e de Rodger e Teti, Chão sagrado, 1975.
Gerardo morava em São Paulo com os conterrâneos e, apesar de ainda hoje não se considerar fotógrafo, “pelo menos profissional”, ressalta, foi naturalmente inserido no contexto quando eles preparavam os respectivos discos de estreia.
Durante a gravação da entrevista em seu aconchegante apartamento no bairro Praia de Iracema, em Fortaleza - “moro aqui há 40 anos e antes dava pra ver o mar de uma ponta a outra”, lamenta a muralha de prédios na extensão da varanda - Gerardo Barbosa contou os detalhes de cada foto, o tipo de filme fotográfico usado, a locação na sala com Ednardo sentado numa rede e a luz natural vinda da janela, as imagens sépias de Rodger e Teti feitas na USP, “mas não gosto de como colocaram”, diz, apontando que a foto da cantora está desproporcional lado a lado na capa do disco.
Mais do que o depoimento de um fotógrafo, Gerardo fez reflexões pertinentes sobre o que documentário discute: “O Pessoal do Ceará que foi só do Ceará foram aqueles das décadas 40, 50, os compositores, cantores, conjuntos vocais, a época de ouro da Ceará Rádio Clube que formava e empregava os músicos”. Mostrando o LP Ceará Terra da Luz, de 1965, afirma que “este, sim, foi o primeiro disco sobre o Pessoal do Ceará”, e disserta mais sobre sua tese, até chegar em 1971, 1972, e a ida de Ednardo, Fagner, Belchior, Jorge Mello, Ricardo Bezerra, e tantos outros, para o sudeste e a importância, claro, do álbum de 1973.
Entre várias preciosidades que Gerardo Barbosa mostrou e cedeu para o filme, como fotos da década de 70 de Ednardo, Rodger, Teti, Manassés, Edson Távora, estão gravações em fitas K-7 feitas no andar superior da Loja Vox discos, de propriedade de seu pai. Ali aquela turma de cantores e compositores ia para ouvir as novidades fonográficas. Na mesma radiola que escutavam os lançamentos da Bossa Nova, de jazz, tocaram poucos anos depois os discos dos cearenses. Eu mesmo, um anônimo adolescente admirador de todos eles, comprei os meus vinis lá.
Desenvolvendo o raciocínio de Gerardo Barbosa, o Pessoal do Ceará vem bem antes do Pessoal do Ceará. Eles são muitos, além de músicos, arquitetos, físicos, fotógrafos... todos sabem voar, e têm muitas histórias para contar.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

na calçada com o Pessoal


A jornalista Isabela Bosi era muito nova quando em 2013 decidiu ir à calçada do Bar do Anísio, no início da av. Beira-mar em Fortaleza. Estudante de Comunicação da Universidade Federal do Ceará, sua viagem ao final dos anos 60 a meados dos anos 70 foi para saber mais sobre aquele espaço tão importante para uma turma de jovens cantores e compositores que logo depois veio se chamar Pessoal do Ceará na música brasileira.

A primeira vez que leu sobre o local foi no livro Pessoal do Ceará: hábitos e campo musical na década de 1970, 2008, de Pedro Rogério, pesquisador, professor da UFC. Isabela tinha como foco a música para seu trabalho de conclusão de curso. Entrevistou mais de 30 pessoas que frequentaram o Bar e sua pesquisa acadêmica foi publicada em livro, Bar do Anísio – Casa se Liberdades, lançado em 2013 pela Edições UFC. Em suas páginas, “que a gente lê de um fôlego só, estão soluços, risos, esperanças e frustrações de uma geração. Sonhos e pesadelos. Amores imperfeitos e muita galhofa. Nessas mesas e nestas páginas pontificaram nomes como Fausto Nilo, Cláudio Pereira, Roberto Aurélio, tanta gente que não caberia nesta apresentação", diz um trecho do prefácio assinado por Gilmar de Carvalho.
Morando desde 2014 em São Paulo, entrevistei a autora à distância para o documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B - O filme, usando o recurso de conferência através de plataforma digital, contextualizando o filme nestes tempos de pandemia e perplexidade. Isabela Bosi tinha apenas 21 anos quando começou a pesquisa, a mesma faixa de idade da maioria dos seus entrevistados naqueles verdes anos de sonho e de som.

domingo, 22 de agosto de 2021

um vinil tocando na tela


"Tenho acompanhado suas postagens de bastidores de
Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. Seu filme fará história, pois nasce com a força de um elemento fundamental de sustentáculo cultural, ainda mais em tempos tão escassos: A preservação da memória!

Uma viagem por paisagens simbólicas, outras caatingas e dunas, ao som de belas canções, num desfile de cantorias e repentes como eram as feiras de antigamente! Um vinil tocando na tela! O espírito do Ceará e do nordeste! O set já dá um livro! O que não puder entrar no filme, talvez!
Aqui, na torcida! Esperando o dia para ver no cinema!
Bom domingo por aí também e bom trabalho! Abraço!"
🙌🏾
- Adeilton Lima, ator, diretor, dramaturgo, professor.

Brasília-DF

Petrúcio


74 anos de nascimento do compositor cearense Petrúcio Maia, um gênio da música brasileira.

garota cultural

 


sábado, 21 de agosto de 2021

traços do arquiteto


O enquadramendo no cinema é um recorte de uma realidade, na perspectiva de um ponto um jeito de olhar.

Compondo o quadro, alinhando os traços para filmar o arquiteto e letrista Fausto Nilo para o documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B.

Diretor de fotografia: Alex Meira
making of: Rubens Venâncio

Fausto e Belchior


Alegria é uma beleza
Com certeza eu viveria
Nessa cor que a moça usa
Além da blusa

Eu quero viver- Versos da canção Nada como viver, letra de Fausto Nilo, musicada por Belchior, gravada no disco Objeto direto, 1980.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

a espacialidade do Pessoal

foto Chris Machado

Franzino, alegre e sorridente por trás da máscara, o arquiteto Delberg Ponce de Leon recebeu em seu escritório em Fortaleza a equipe do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B com três folhas de papel na mão. Achegou-se mais e arriscou um abraço. “Estamos duplamente vacinados!”, disse com mais sorrisos. Por uns segundos lembrei-me de um trecho de Poema de sete faces, de Drummond, e em pensamento ousei uma paráfrase: “o homem atrás da máscara / é simpático, simples e forte / conversa muito / tem muitos, amigos raros / o homem atrás dos óculos e da máscara”.

Puxou-me para balcão de mármore ao lado e estendeu os papéis. “Não sei o que você vai perguntar na entrevista pro filme, mas eu fiz aqui um roteiro do que quero falar”, e apontou o título dos itens: “Pessoal do Ceará – Espacialidade”. Antes que eu falasse que tinha gostado da iniciativa, foi logo justificando, e sempre sorrindo: “Eu não sou cantor, não sou compositor, sou arquiteto, então vou falar sobre os espaços por onde andava aquela turma que depois veio se chamar Pessoal do Ceará”. E outra vez antes que eu dissesse que era exatamente isso que eu queria ouvir dele, desceu vagarosamente o dedo indicador em cada item: “Olha, eles começavam assim... Liceu... universidade... Praça do Ferreira... tem o movimento estudantil, DCE, o Gruta (Grupo Universitário de Teatro Amador), os saraus... as festas culturais...” e vai espaço abaixo desenhando com o dedo esse croqui de uma geografia afetiva de uma turma alegre, inquieta, em busca do novo com seus menos de 25 anos de sonhos, muito sangue nas veias e na América do Sul.
Fausto Nilo, Flávio Torres, Brandão, Augusto Pontes, Cláudio Pereira, Belchior, Ednardo, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra... “éramos muitos, muitos”, lembrou, já com o indicador no bar Balão Vermelho, na calçada do edifício Jalcy, na avenida Duque de Caxias, até finalizar no item Bar do Anísio, casa de liberdades, das biquaras assadas de dona Augusta, no início da Beira-mar de uma Fortaleza ainda das dunas brancas.
Delberg já me surpreendeu ali mesmo enquanto a equipe de fotografia e som preparava o set em sua sala no escritório. “O Fausto me ligou ontem e perguntou ‘e aí, já deu a entrevista pro filme do Nirton?”, disse mencionando o seu colega arquiteto há 60 anos e sócio em dezenas de projetos. “Ainda bem que você não está aqui, eu disse pra ele”, sempre, sempre rindo, “o Fausto fala sem parar, e eu já não falo muito, sou até um pouco gago!”, revelou entre mais sorrisos, contradizendo tudo que eu via, ouvia e me encantava.
Assim foi a recepção de Delberg na jovialidade dos seus 77 anos. O que se desenvolveu na entrevista vai me dar trabalho na edição, de tantas ótimas histórias que aconteceram naqueles cantos que ele listou na sua “cola”, e de vez em quando diante das câmeras dava uma olhadinha para ver se estava seguindo mesmo a ordem do trajeto.
Na arquitetura, um croqui é um esboço sem exigência de traços precisos, e o riscado de desenhos rápidos expressa ideias futuras de um trabalho específico. A imaginação cria asas em outras folhas a partir daquela. Delberg desenhou na rapidez de uma lista para nortear a sua fala e criar asas na entrevista, erguer e expor a essência espacial de uma geração. Uma turma que tinha a arte e a alegria dos encontros como suporte de resistência àqueles tempos entre o som e a fúria dos anos de chumbo.
Fascinado que sou por croquis, pedi-lhe de presente aquela folha. “Tome, pode ficar”, disse Delberg passando-me uma que era fotocópia. “Não, Delberg, a original, e assinada, pode ser?” E entre mais sorrisos autografou e me entregou. Tenho agora o desenho dos passos do Pessoal, uma das peças para a exposição na semana de lançamento do filme.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

o luxo da aldeia

O repertório do seminal disco “Pessoal do Ceará – Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem”, de 1973, traz na apresentação sequencial o que podemos entender como uma espécie de manifesto do que aquele grupo de compositores tinha para dizer e cantar nas vozes de Ednardo, Rodger e Teti.

O álbum abre com Ingazeiras, do sertão um galope operístico com os “sonhos descendo ladeiras / varando cancelas, abrindo porteiras”, anuncia na canção Terral o chão de dunas brancas onde o pessoal da aldeia aldeota queria ficar sob o céu pleno de paz que o protege, parte em seguida montado em um Cavalo ferro em buscas daqueles sonhos ingazeiros “em terras tropicamericanas”, sabendo dos perigos, que no “planalto central / se divide o bem e o mal”, e aponta na projeção cosmopolita de um Curta-metragem que é preciso “primeiro, uma atitude / segundo, algo que mude / terceiro, ação / ação de mudar”, pois se a morte vier ao encontro do pessoal, ela sabe que todos estão entre amigos, bebendo num bar, Falando da vida, e isso não quebrará o encanto de viver, até porque na confluência do campo e da cidade, quando se é Dono dos teus olhos, de olhar eles “querem ver o que há” no lado B do disco.
Vira-se o bolachão e se vê que “o desassossego / ronda a nossa aldeia” quando nela os “sons, megatons” / de uns versos obscenos” de “canções radioativas” estimulam Palmas para dar IBOPE, e assim, vivendo “som, velocidade”, mesmo com a noite “igual a todas as demais”, os pés de quem ama pisa aquela areia das dunas brancas na Beira-mar da “forte praia” de “minha cidade”, e só sorrisos respondem quando o poeta perde-se da musa “entre as luzes que lhe escondem”, isso provoca um Susto, ele sente “febre a noite inteira”, e sabe que é melhor “que se brinque na areia da praia” e não se “retorne ao planalto central” naquele cavalo ferro, pois o meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem, do Bar do Anísio ao estúdio da Continental, o pessoal trouxe A mala com “os olhos cansados de ver o mundo”, “molhados de viver no mundo”, “parados no meio do mundo”, “no nicho, no luxo, no lixo” da aldeia aldeota batendo na porta pra lhe aperrear de tanta saudade, no Ceará de onde eu sou e a vida o vendo espalhou.
No repertório tão rico com as composições de Ednardo, Rodger, Dedé Evangelista, Humberto Teixeira, Tânia Araújo, Ricardo Bezerra, Fagner e Augusto Pontes, o disco faz o percurso poético do sertão de Ingazeiras que virou mar na beira de Fortaleza.
Esses meus apontamentos, de livre e espontânea inspiração, falei, de forma resumida, para Ednardo quando o entrevistei sábado passado para o documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. Ele sorriu com os olhos e visivelmente emocionado elogiou minha análise poética, parabenizou “pelo filme arrojado que você está fazendo”. E reproduzo aqui sua reação e palavras, não por jactância, sem cair na armadilha da soberbia, mas para expressar a minha “ternura mais funda e mais cotidiana”, como diria Manuel Bandeira, de gratidão pelo abraço de reconhecimento, através de Ednardo, pelos dez anos persistindo, atravessando e contornando as dificuldades para realizar esse filme, debruçando-me apaixonadamente em pesquisas, leituras e audições da história da música criada em nosso chão sagrado, nesse recorte a partir do que se denominou Pessoal do Ceará.
Essa foi a segunda entrevista com o autor de Longarinas, e tantas canções que souberam tão bem mapear a geografia afetiva de nossa cidade. No primeiro encontro, em 2016, fomos ao Bar do Anísio moldados por uma holografia de lembranças, e ele falou sobre a gênese do Pessoal do Ceará. Dessa vez focamos a conversa na Massafeira, e não à toa, a locação foi o Theatro José de Alencar, onde aconteceu o evento de quatro dias em março de 1979, criado por ele e Augusto Pontes, a partir de uma ideia de seus irmãos, os cantores e compositores Rogério Soares e Regis Soares. Nesse período da primeira entrevista para cá, Ednardo sempre perguntava como andava o projeto, defendia publicamente a importância em uma e outra apresentações, se indignava em não haver interesse de financiamento nas minhas tentativas em editais e iniciativa privada. E celebrou comigo quando o projeto foi finalmente contemplado pela Lei Aldir Blanc de Audiovisual da Secult-CE.
Pessoal do Ceará – Lado A Lado B é um documentário que louva a grandeza da música feita no Ceará a partir da década de 70 e seus diversos, múltiplos e muitos deles pouco conhecidos criadores. Por conta disso, é necessariamente um filme analítico, de contemplação crítica, que mostra o lado B da história para se entender melhor o lado A do que se contou.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

o positivo quer dizer negativo


A equipe do documentário, mesmo toda vacinada, e muitos já com a segunda dose, faz semanalmente teste rápido para covid-19.

O assistente de produção Marcio Marinho cuida disso e só libera para o set depois do atendimento e resultado.

saudações musicais


fotos Rubens Venancio

Ele chegou à locação, bar Tenda Nômade no bairro Cidade 2000, em Fortaleza, na manhã ensolarada de uma terça-feira, com sacolas cheias de vinis e pastas com recortes de jornais sobre música, programas de shows, bilhetes de artistas, credenciais de eventos que participou... Além da “ruma” de discos, olhando aquelas pastas identifiquei outra sintonia comigo, uma rima nos gostos e manias: ele é um “catador de papel” organizadíssimo. Mais um apaixonado irrecuperável na mesma ala desse manicônio na persistência pela preservação da memória. Vendo aquele material tão rico e pulsante de arte, pessoas e tempo, veio-me à lembrança trechos do poema de Antônio Cícero, musicado por sua irmã Marina Lima, “Guardar”: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. / Em cofre perde-se a coisa à vista. / Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.”

Pois o guardador iluminado por tantos papeis e discos entrou com um sorrisão estampado. Parecia que chegava para o seu programa Pessoal do Ceará no estúdio da Rádio Universitária FM 107,9, ou para uma dessas sessões de DJ em que apresenta, ali mesmo na Tenda, às sextas-feiras, e comenta as músicas, com a precisão de datas, nomes dos instrumentistas e outras curiosidades que enriquecem a história da cena musical brasileira e internacional, é um dos maiores conhecedores de toda obra dos Beatles: Nelson Augusto, jornalista, radialista, pesquisador.
Ele é uma de minhas referências na pesquisa para escrever o projeto do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. “Adolescente frequentei o Bar do Anísio, e quem me levou foi o grande compositor e violonista Wilson Cirino, vizinho aqui na Cidade 2000. Foi daqui onde tudo começou pra mim”, revela, apontando para os raios de sol na Tenda, situando sua participação na história da música feita no Ceará. "Foi uma emoção enorme quando ouvi canções criadas nas mesas do Anísio tocando nas rádios no começo dos anos 70”, diz referindo-se a Beira mar, de Ednardo, gravada no álbum Pessoal do Ceará – Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem. Sobre o seminal disco de 1973, Nelson, com uma convicção de quem se aprofunda, esmiúça e fecha uma síntese, diz que “É o ‘Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band’ da música cearense brasileira!”, compara, pela inovação conceitual das canções.
Quando em 1981 foi instalada a Rádio Universitária, uma espécie do que hoje chamamos de equipamento, pertencente a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, da UFC, Nelson recebeu convite do professor Marcondes Rosa para escrever um programa de música, e até mesmo apresentar. “Vixe! Eu não tenho voz para isso! Não sou um locutor com vozeirão marcante de Everardo Sobreira”, lembra, dando o devido reconhecimento ao radialista que apresentou por mais de três décadas o programa Antologia da Música Popular Brasileira, na Universitária. Mas o jovem Nelson foi praticamente “intimado” e arriscou, “com essa minha voz aqui mesmo, que estou conversando. Com o tempo fui me soltando”. A proposta da rádio era manter uma programação composta de alunos e professores dos cursos da própria universidade, da qual Nelson era estudante de letras. E um desses mestres da sala de aula era o cantor e compositor Rodger Rogério, professor de física e diretor da rádio. Numa dessas artimanhas do universo, Nelson tinha como chefe o músico que tanto admirava no Bar do Anísio.
Essa e tantas outras histórias, como quando conheceu Belchior através de sua irmã Angela, colega do curso – “quando a vi entrando na sala, se colocasse um bigode eu diria que era ele - Nelson contou em mais de uma hora de conversa com aquela voz de locutor que ele não acreditava que desse certo e se tornasse uma das marcas registradas da Universitária, assim como a da atriz, cantora e jornalista Marta Aurélia.

A cada dia no percurso final das filmagens do documentário, mais me conscientizo da dificuldade - da grata dificuldade! - que teremos eu e montador Rui Ferreira na edição com tantas histórias expressivas e surpreendentes sobre a história da nossa música, nesse recorte a partir do que se denominou Pessoal do Ceará.
A ele, Nelson Augusto, envio o seu bordão-mantra que sempre entoa em seus programas e textos nas redes sociais: saudações musicais!
E saudações cinematográficas à equipe que comigo na mesma ala compõe a cada take esse documentário: o produtor executivo Clebio Viriato, os diretores de fotografia Alex Meira e Leo Mamede, o técnico de som Afonsino Albuquerque Filho, o assistente de câmera Nildo Silva, o chefe eletricista Assis Nunes, os assistentes de produção Marcio Marinho e Leyla Alencar, o stil e making of Rubens Venancio.

domingo, 15 de agosto de 2021

as filhas do Anísio

fotos Rubens Venancio

Risos, choro, gargalhadas, silêncios... Durante a tarde do bom agouro dia 13 de sexta-feira, a equipe do documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B fez uma viagem no tempo e conseguiu ir à calçada do Bar do Anísio, no final dos anos 60, começo dos 70. Fora eu, todos nem sequer tinham nascidos naqueles verdes anos da música cearense no que veio a se denominar Pessoal do Ceará.

E quem proporcionou essa viagem e simetria no tempo foram Nízia Muniz e Graça Muniz, filhas de Anísio Muniz de Sousa e Maria Augusta Pessoa Muniz, o casal que mais do que proprietários daquele bar no início da avenida Beira-mar, em Fortaleza, eram como pais de toda a turma de cantores, compositores, poetas, estudantes de música, arquitetura, física, medicina, direito...
Nízia e Graça riram ao lembrar de seu pai dizendo para algum daqueles frequentadores que “você pode beber, mas não vai pra casa não”, e apontava uma rede para ele no corredor. Choraram quando recordaram de como eram boas as manhãs em frente ao mar, as tardes preparando o bar, e as noites com as mesas cheias de alegria: “Nossa casa era uma grande família, mais do que nós filhos, papai era pai de todos”. Gargalharam quando contaram histórias como uma vez que sua mãe “pegou a chave do carro de um freguês que exagerou na bebida, escondeu e não deixou sair de jeito nenhum.”
Diferente de outros bares que aquela turma frequentava antes de chegar na deserta avenida Beira-mar no meio da noite, o Bar do Anísio era a extensão da casa de cada um deles, tinha o aconchego dos que guardam o outro com afeto. “Não eram fregueses, era uma grande família”, frisava e repetia Nizia, a mais falante. Aliás, Graça, que me adiantou por telefone que não falaria nada na entrevista, que era muito tímida e até tinha “fama de antipática mesmo”, em vários momentos passou a falar mais do que a irmã. Não escondeu e deixou escorrerem uns afluentes de lágrimas pelo rosto maquiado quando rememorou alguns fatos, “viu, olha, você me fez chorar”, disse secando com as costas das mãos, colocando a “culpa” em mim por expressar o que de tão natural veio de seu coração. Mas logo em seguida piscou-me o olho com um sorriso, como me agradecendo por tê-las levado de volta às meninas que nelas continuam. Por isso se emocionaram. Por isso colocaram os melhores vestidos, se perfumaram, arrumaram a casa, e nos serviram vatapá com arroz ao final das filmagens.
Lindas, Nizia parece um encontro de dona Clementina de Jesus com Ella Fitzgerald, Graça é uma cópia perfeita de sua mãe. E eu as olhava como estivesse diante um holograma, uma imagem sacra, um efeito anímico de Anísio e dona Augusta.
Numa cena em que olham o LP Pessoal do Ceará – Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem, Graça passa o disco para Nízia. Ela abre a capa dupla como um pássaro aberto em leque, espalma a mão sobre as fotos como pela areia da praia ali em frente... e diz, cada palavra uma onda se estendendo:
"Ednardo... Rodger... Teti... mas o Pessoal do Ceará é muito mais... cadê o resto? Pessoal do Ceará é Flávio Torres... Claudio Pereira... Fausto Nilo... Jorge Mello... Ieda... Isabel Lustosa... Xica... Fagner, Belchior, tanta gente...”
Um silêncio depois dessa “cobrança”, e sempre esparramando as mãos sobre as fotos e capa, ela olha pra mim, sorrir e franze a testa num “pois é”.
“Corta!”, finalizo para a equipe de fotografia e som. Nízia endossou, validou o propósito desse documentário, desde quando, há dez anos, comecei a pesquisar e escrever o roteiro. Pessoal do Ceará é muito mais. É também o Anísio, dona Augusta, é Nizia, é Graça.

sábado, 14 de agosto de 2021

a musicista que amava todos


foto Kazane Blues

Na manhã do dia 6 deste mês, sexta-feira, toco a campainha da casa da minha amiga musicista Izaira Silvino, no bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza. Há três meses tínhamos combinado a entrevista para o documentário que estou finalizando, Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. Izaíra foi a primeira a interpretar uma composição de Fagner, Luzia do algodão, parceria com Marcus Francisco, no I Festival de Música Popular Aqui no Canto, em 1969. Contente pelo convite para falar no filme sobre como tudo isso aconteceu, conversamos várias vezes por telefone, sempre disposta, com sua doçura de voz. “Tô meio adoentada, mas a gente vai conversar, viu? Amo tu”, dizia sempre antes de desligar.

Quando voltei para a calçada para dizer a equipe, que descarregava os equipamentos dos carros, que não haveria filmagem, jamais imaginei que minha ida foi para me despedir dela. Não havia condições para entrevistá-la, mesmo ela querendo, tão solícita, tão sorriso agora estancado em seu rosto por ainda estar “meio adoentada”. “Tenho uma foto nossa daquele dia”, disse-me quando falei que a última vez que nos vimos foi no lançamento do meu livro na livraria Lamarca, em fevereiro de 2019.
De volta com a agenda desfeita, um silêncio dolorido dentro do carro. Escrevi-lhe uma mensagem no WhatsApp que combinaríamos outro dia para a entrevista, e que seria somente em áudio. “Amo você, Nirton. Aceito tudo”, respondeu.
No dia 21 de maio, numa das várias mensagens que sempre trocávamos, perguntei se poderíamos gravar a entrevista no mês de agosto. “Ah, querido. Graças a Deus! Agosto é o mês do meu aniversário. Se Deus quiser estarei bem nesse mês. Prefiro que você sugira uma data e horário, ok? Disponha!”, escreveu. Dias depois, numa mensagem em que relatava seu estado de saúde, terminava dizendo que “tenho certeza que estarei pronta para a entrevista na primeira semana de agosto. Você vai escolher o dia e o horário! Ok? Pode ser? Amo você, Nirton querido!”
Amanhã, dia 15, Izaíra completaria 76 anos. Não teve tempo para comemorar. Partiu em silêncio no começo desta noite de sábado. Emudecidos com a notícia, seu sorriso paira entre nós. O sorriso agora cristalizado na saudade. Tornamo-nos eternos no coração de quem nos quer bem. Nós a amamos, Izaíra. Amo tu, Izaíra. Amo você, Izaíra. Todos os pronomes numa mesma nota regida pelo seu sorriso, querida maestrina.
Na foto de 2014, minha alegria emoldurada pela gargalhada de Izaíra e sua irmã, a cantora e compositora Aparecida Silvino.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

a Franciscana do Pessoal


Ô Chica de cana, chinela
Chaqualha o chocalho
Xarope pra Chica sair num pinote
Cantando a galope na beira do mar
Franciscana cinzenta, cinzana Francisca
Franzida na cinta com fita de chita
O cheiro pimenta de alho cascalho
O choro no molho de folha cidreira
E o malho no mundo
E o mundo na boca
E este chove e num molha

Essa é a letra de Franciscana, de autoria do jornalista Roberto Aurélio, musicada por Ednardo, faixa 3 do lado A do seu disco Berro, de 1976. A musa inspiradora é a assistente social Francisca Barbosa Nepomuceno, a Xica Barbosa nas noites de conversas, música e poesia do icônico Bar do Anísio. Mais do que um reduto, um templo abençoado por Iemanjá na avenida Beira-mar da Fortaleza do final dos anos 60, início dos 70, onde se encontrava aquela turma de menos e de mais de 25 anos de “sonho e de sangue e de América do Sul”, como disse Belchior poucos quarteirões a frente na calçada do tempo em sua canção Apalo seco, e que muitos foram embora pro Rio de Janeiro quando no jogo do bicho deu o carneiro, como preconizou Augusto Pontes no poema-êxodo, também musicado por Ednardo.

“Mas eu não fui não, nunca quis ser cantora, nunca tive essas vontades. Fiquei por aqui mesmo”, disse-me Xica em entrevista para o documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B. E ela cantava, voz bonita, incentivada por todos, como registram várias matérias de shows em recortes de jornais que ela me mostrou, folheando as páginas com um sorriso de saudade tranquila. “Nós íamos ao Anísio em uma época que os amigos serviam como fonte de esperança e resistência”, avalia ao se referir aos tempos difíceis de ditadura militar, do golpe dentro do golpe com o decreto do AI-5.
Sentindo-se emocionada por estar – muito merecidamente – no documentário, a Xica de folha de cidreira, que de chinela chaqualhava o chocalho e inspirava os poetas cantando galope de versos na beira do mar, pontua com a fala e brilho no olhar em fazer parte de “um registro da nossa história musical e de nossa geração”.
Sobre a composição Franciscana , musa e autores entrecruzam suas versões no filme que em breve estará concluído e será lançado inicialmente em Fortaleza, numa semana com debates, palestras, apresentações musicais, exposição do material de trabalho. Foram dez anos de pesquisa, elaboração do projeto, tentativas de financiamento, e filmagens que estão acontecendo graças ao edital da Lei Aldir Blanc de Audiovisual da Secult-CE, nessa retomada que iniciou neste mês no meio dos cuidados e perplexidade de uma pandemia e caos político.
Com a equipe coordenada pelo produtor executivo Clebio Viriato, direção de fotografia de Alex Meira e Leo Mamede, captação de som de Afonsino Albuquerque Filho, assistente de fotografia Nildo Silva, chefe eletricista Assis Nunes, assistência de produção de Leyla Alencar e Marcio Marinho, stil e making of de Rubens Venâncio, o documentário é um projeto que se inspira no tempero da história desse pessoal com “chêro pimenta de alho cascalho”.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

o positivo quer dizer negativo

foto Chris Machado

A equipe do documentário, mesmo toda vacinada, e muitos já com a segunda dose, faz diariamente teste rápido para covid-19.

O assistente de produção Márcio Miranda cuida disso e só libera para o set depois do
atendimento e resultado.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

falando da vida

Na foto acima, o físico e compositor Dedé Evangelista, 84 anos, lindo, leve e faceiro, recebendo-me em sua casa, para gravar entrevista para o documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B.
Durante uma hora de conversa, Dedé contou histórias dos primeiros anos no final da década de 60 e começo de 70 no circuito universitário no bairro Benfica com Rodger Rogério, com quem compôs Falando da vida, Curta-metragem, Bye bye baião, Fox lore, com Augusto Pontes, Fausto Nilo , Ricardo Bezerra, Brandão, da viagem aventureira rumo a Brasília a bordo de uma Kombi, com sua esposa, Rodger Rogério e Téti, desbravando a poeira do chão sagrado, das noites falando do dia e bebendo ao redor das mesas do Bar do Anísio. “Mas eu não ia muito não, já era casado”, ressalva com um sorriso matreiro no olhar.
Olhando, ouvindo e admirando a juventude octogenária daquele senhor, senti-me esculpindo o tempo com o cinzel de cada palavra sua, recompondo lentamente, com o tato de minhas retinas, imagens de um painel da música cearense naqueles verdes anos, da gênese do que se denominou Pessoal do Ceará e seus tantos personagens na Beira-mar entre luzes que lhes revelam e só sorrisos como do simpático Dedé Evangelista me respondem que eu não me perco de vocês, parafraseando aqui a canção de Ednardo.
A cada dia, a cada take de uma entrevista, embarco nessa viagem. A vida vem se
mpre ao encontro com minha equipe, ela sabe que estou entre amigos, filmando, falando da vida desse pessoal.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

vamos pro Bar do Anísio!

fotos ©Rubens Venâncio

- Bom dia, 'seu' Anísio. Vou para o terceiro andar. O senhor está morando na avenida Beira-mar agora, né? Eu costumo passar as férias lá, com minha família! O que faz falta é um lugarzinho bom pra comer ali, viu? A sua esposa cozinha bem, não é? Já ouvi maravilhas da comida dela! Por que vocês não começam a vender uns salgadinhos por ali? Garanto que eu e muitos amigos iríamos! Vou ficando por aqui, Anísio. Bom dia!

Essa conversa está reproduzida no livro Bar do Anísio – Casa de Liberdades, da jornalista Isabela Bosi, Edições UFC, 2013, o primeiro e único trabalho de pesquisa sobre o icônico bar na Fortaleza do final dos anos 60 para meados da década de 70, que serviu de gênese do que se veio a se chamar Pessoal do Ceará na história da música brasileira.
Anísio Muniz de Souza era ascensorista do azul-anil edifício Diogo, ali na rua Barão do Rio Branco, a um quarteirão do coração da capital cearense, a Praça do Ferreira. No abre-e-fecha da porta sanfonada, no sobe-e-desce dos nove andares, Anísio ouviu vários comentários semelhantes ao daquele senhor que sugeriu vender uns salgadinhos, fazer umas comidinhas. “Vou conversar com Maria Augusta”, dizia Anísio, referindo-se a sua esposa, abrindo a porta para um, apertando o botão para outro. A Beira-Mar era distante, a casa de Anísio ficava ainda mais longe, no final da larga via com coqueiros, árvores frondosas, areia fina de dunas, e visão para o Porto do Mucuripe com poucos navios.
Entre os passageiros diários do veículo vertical pilotado pelo ‘seu’ Anísio, o jovem estudante de física Francisco Flávio Torres de Araújo, que trabalhava no escritório de seu pai, e já vizinho, pois este alugava uma casinha pros fins de semana próxima a do Anísio.
Partiu de Flávio a iniciativa de convidar seus colegas da universidade, que viviam pelos pátios e bares próximos aos cursos, tocando violão, discurtindo política naqueles terríveis anos de ditadura recente, falando da vida... E assim chegaram ao bar do Anísio Augusto Pontes, Fausto Nilo, Rodger Rogério, Teti, Amelinha, Petrúcio Maia, Brandão, Ednardo, Jorge Mello, Olga Paiva, Wilson Cirino, Mércia Pinto, Isabel Lustosa, Fagner, Belchior, Ricardo Bezerra, Claudio Pereira, Ieda Estergilda Abreu, Roberto Aurélio, Alba Paiva, e tantos outros pessoais.
Professor aposentado, ex-senador pelo PDT, Flávio Torres em entrevista para o meu documentário Pessoal do Ceará - Lado A Lado B, conta com impressionante riqueza de detalhes as intermináveis noites de boemia, música e poesia ao redor das mesas do Bar do Anísio, ao sabor das biquaras assadas de dona Augusta. "No Anísio tinha cerveja geladinha, comidinha saborosa, e até alugava calção de banho", conta com uma risada de saudade.
Com a equipe coordenada pelo produtor executivo Clebio Viriato, direção de fotografia de Alex Meira e Leo Mamede, captação de som de Afonsino Albuquerque Filho, continuísta Priscilla Sousa, assistente de fotografia Nildo Silva, chefe eletricista Assis Melo, assistente de produção Marcio Marinho e fotografia de cena de Rubens Venâncio, o filme cobre de forma crítica e minuciosa dez anos da história da música cearense, num recorte de 1969 a 1979, quando aconteceu o evento Massafeira Livre no Theatro José de Alencar.
Foram igualmente dez anos de pesquisa, elaboração do projeto, tentativas de financiamento, e filmagens que estão acontecendo graças ao edital da Lei Aldir Blanc de Audiovisual da Secult-CE, no meio dos cuidados e perplexidade de uma pandemia.
A cada take de cada entrevista no set, o eco da casa das liberdades do bar do Anísio.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

um faraó no meio do Pessoal




fotos Rubens Venancio

No começo dos anos 70 eu saía do bairro Nossa Senhora das Graças, em Fortaleza, para o prédio da TV Ceará Canal 2, para ver os cantores que participavam do Show do Mercantil, programa ao vivo apresentado por Augusto Borges. Atravessava a cidade para ver bem de perto entrarem pela porta lateral não somente os artistas de fora, convidados eventuais, mas os cearenses que ali no auditório, sempre acompanhados da banda fixa Big Brasa, iniciavam suas carreiras, como Belchior, Ednardo, Fagner, Jorge Mello, Rodger Rogério... e especialmente Pekin. Vindo da banda Os Faraós, onde cantava e tocava guitarra, era o meu ídolo. Tinha algo de especial em sua voz, seu jeito de cantar, de se vestir, e sobretudo, o encanto da simplicidade.

Mais de 40 anos depois consigo chegar perto dele, o que nunca foi possível naquelas jovens tardes de sábado. Ontem o entrevistei para o meu documentário Pessoal do Ceará – Lado A Lado B. Após vários contatos telefônicos, e ouvindo o meu relato de fã, a emoção de ambos foi inevitável nesse primeiro e esperado (de minha parte) encontro.
A história de Pekin, um “faraó” vindo do bairro São João do Tauape, se diferencia da trajetória de muitos da gênese do que se chamou Pessoal do Ceará, e que se juntavam ao redor das mesas do Bar do Anísio, reduto afetivo-boêmio-intelectual, todos classe média do circuito universitário.
Na entrevista em sua casa no Conjunto Tabapuá, no limítrofe de Fortaleza e Caucaia, Pekin falou das noites de boemia e cantoria no Anísio na virada dos anos 60 para 70, de seu convívio com o amigo Belchior, com quem morou no Rio de Janeiro e foi parceiro em duas músicas, Uma estrela lá da terrinha e Minha mãe não quer que eu fume, gravadas por José Luiz com acompanhamento de The Fevers, de sua composição Quero ter você, tema de abertura da novela O Profeta, TV Tupi, 1977, de seu único LP, Impossível parar o sol, com arranjos de Lincoln Olivetti, onde fora Paralelas, de Belchior, que produziu o disco, as demais onze faixas são de sua autoria, indo do chorinho ao rock, do samba ao bolero. O disco foi lançado do mesmo ano de Alucinação, 1976.
Péricles Menezes no batismo, bancário aposentado, fora da mídia de todos os pessoais, um CD de produção independente no começo dos anos 2000, cantando uma vez ou outra em bares pela noite, e agora mais ausente por conta da pandemia, aos 69 anos Pekin não demonstra nenhum sentimento de lamúria, quando perguntei se tinha alguma queixa de como as coisas se sucederam no cruel mercado fonográfico e por ser pouco lembrado como um dos que estavam ali na turma que se denominou Pessoal do Ceará naqueles cheios de esperança e fé anos 70. “De jeito nenhum”, respondeu com um impressionante e permanente sorriso nos olhos, “Olha você aqui me entrevistando”, disse com um brilho de alegria espalhado por todo o rosto de ídolo para o seu fã.
Com a equipe coordenada pelo produtor executivo Clebio Viriato, direção de fotografia de Alex Meira e Leo Mamede, captação de som de Afonsino Albuquerque Filho, continuísta Priscilla Sousa, assistente de fotografia Nildo Silva, chefe eletricista Assis Melo, assistente de produção Marcio Marinho e fotografia de cena de Rubens Venancio, Pessoal do Ceará - Lado A Lado B é um projeto com o brilho de alegria, na simetria do tempo, de um fã da história da música cearense. Impossível parar o sol.
fotos Rubens Venancio