domingo, 7 de junho de 2020

para enfeitar a noite do meu bem

"Vou para a cama e não quero ser incomodada. Se alguém telefonar, não me chame. Quero dormir até morrer!", disse brincando Adiléia Silva da Rocha à empregada Rita, na manhã de 24 de outubro de 1959, depois de passar a noite com o namorado Nonato e amigos bebendo, dançando e ouvindo canções na boate Little Club, em Copacabana, esticar para uma festa de grã-finos em homenagem ao Dia do Aviador no Clube da Aeronáutica, perto da Praça Quinze, e fechar a maratona no Kit Club, um bar-restaurante no final da Barata Ribeiro. Pararam com o sol raiando no Posto 6 e Adiléia ainda convidou a turma para subirem, ela prepararia uma bela macarronada. Mas, cansados, cada um foi para suas casas.
Adiléia era nome verdadeiro da nossa eterna Dolores Duran, cantora e compositora de dezenas de clássicos do samba-canção, como A noite do meu bem, Fim de caso, Por causa de você, Castigo, gênero que se destacou a partir da década de 30, e revelou Maysa, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Ângela Maria.
Antes de deitar, Dolores tomou banho e brincou na banheira com a filhinha adotiva, Maria Fernanda, de um ano e meio. Por volta das dez da noite a empregada foi acordá-la, pois teria shows, e já estava atrasada. Bateu na porta e nada. Preocupada, entrou e encontrou a patroa morta, a mão do peito, o violão ao lado e uns rascunhos de novas canções. Com apenas 29 anos, Dolores Duran sofreu um infarto fulminante, provocado por dose excessiva de barbitúricos, cigarros e álcool.
A cantora tinha precedente de outro infarto, três anos antes, mas continuou fumando e bebendo, tentando aliviar-se de fortes crises de depressão, traumas de infância, abortos espontâneos e consequente esterilidade, e entre tantos amores frustrados, a falta de um amor verdadeiro pra chamar de seu. Cativante, sensível e espirituosa, Dolores era uma “falsa alegre”. Suas letras expressam uma angústia existencial no cenário daquela época de ouro do rádio.
Se Dolores não tivesse ido dormir até morrer, estaria hoje completando 90 anos.

Nenhum comentário: