quinta-feira, 11 de junho de 2020

ciudad porteña de mi unico querer

A música
"Mi Buenos Aires querido / cuando yo te vuelva a ver / no habrá más penas ni olvido..."
- Versos de Mi Buenos Aires querido, clássico tango escrito por Alfredo Le Pera em 1934, musicado e imortalizado por Carlos Gardel, assim como outra emblemática composição, El día que me quieras.
A letra fala sobre a formosura da capital portenha, que hoje comemora 440 anos de fundação. A canção com narrativa bela e dolente do tango, na queixa de um bandoneon, compara a cidade ao amor, e retornar a ela é a forma de se livrar das dores, da nostalgia, o "te extraño" - o termo saudade.
O autor
O compositor do tango de enorme significado afetivo para os argentinos é brasileiro de nascimento. Em 1900 seus pais, italianos, viajavam pela América do Sul com intenções de morarem em Buenos Aires. Em passagem por São Paulo, a mãe com um barrigão de nove meses deu à luz um niño, em pleno bairro Bixiga, que se tornaria tradicional reduto do samba paulistano. A família Le Pera seguiu viagem para Uruguai com o bebê de dois anos, e de lá para Argentina. Alfredo morreu jovem, aos 35 anos. Estava no avião que caiu em Medellin, Colômbia, juntamente com seu grande amigo e parceiro Gardel.
A estampa
As icônicas estampas sobre Buenos Aires têm a assinatura do pintor Martiniano Arce, expoente do estilo filetagem, surgido ali pelo final do século 19, e que se caracteriza como uma pintura muito além do que apressadamente se possa definir como decorativa, como apenas um ‘recuerdo’ que os turistas compram na Caminito Parrilla. As fortes cores, os desenhos em espirais, os ângulos simétricos, as sombras tridimensionais, dão às peças uma originalidade historicamente portenha, expressam elementos emocionais e filosóficos dos imigrantes europeus, trazem os traços góticos e a herança crioula da colonização europeia.
O pintor
Martiniano Arce com seu trabalho traduz com propriedade essa arte pictórica do povo argentino, incluindo no repertório das estampas, os animais, as flores, a música, os artistas e até frases poéticas, aforismos humorísticos, referências que se viam nas carroças dos imigrados, nas laterais dos primeiros ônibus e veículos de transportes - detalhes que vemos também nos para-choques dos caminhões nas estradas brasileiras. Em 2015 a UNESCO declarou a filetagem Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Martiniano é tão querido pelos compatriotas por ter se dedicado a essa arte característica dos portenhos, que um de seus trabalhos é capa do disco Fabulosos Calavera, 1998, da banda de rock Los Fabulosos Cadillacs, criou a garrafa estilizada de Coca-Cola de dois metros de altura para as Olimpíadas de 1996 em Atlanta, é personagem do tango Don Martiniano, de Hamlet Lima Quintana e Emilio de la Peña, e La milonga pa’ Martiniano, de Oscar Sbarra Mitre, e tantas outras homenagens e distinções, como Ciudadano Ilustre de Buenos Aires, Huésped de Honor em Bariloche, além de murais em paróquias, exposições por todo o país e no exterior.
O pintor publicou dois livros que registram sua história, Palabras sobre ruedas, 1994, onde compila as frases nos caminhões e ônibus de Buenos Aires, em El Arte del Filete, 2006, que reproduz 140 de seus trabalhos.
Aos 80 anos, Martiniano Arce, na sua lucidez e prudência, celebra quieto em sua casa em San Telmo, o aniversário de sua Buenos Aires querida.

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