segunda-feira, 1 de junho de 2020

as cidades de Calvino

Em As cidades invisíveis, obra máxima de Italo Calvino, o personagem Marco Polo, jovem veneziano viajante, relata ao Imperador Kublain Khan suas impressões sobre as mais de cinquenta cidades que visitou.
Publicado em 1972, o romance em metanarrativa constitui-se em um conjunto de metáforas que traduzem bem a relação das pessoas com os lugares, o que esse encontro do desenho urbano com a geografia afetiva reflete nas condições e inquietações humanas, como memória, crenças, esperança, velhice, morte.
O próprio Calvino, de certa forma, está organicamente conduzido nessa narrativa, pela sua história, pelo diagrama que as cidades inventadas traduzem sua visão de mundo. O escritor nasceu em Cuba quando seus pais, cientistas italianos, moraram na ilha no começo dos anos 20. Cresceu e viveu na Itália até sua morte, em 1985, aos 61 anos, onde lutou na resistência contra o fascismo durante a Segunda Guerra.
As cidades de Calvino são personagens em sua arquitetura, memória e desejo. Nelas parece que morou um pouco de cada um de nós. Ou que gostaríamos de ter morado. O que sonhamos um dia morar. Mesmo que “o último porto só pode ser a cidade infernal”, com diz Kublain Khan a Marco Polo no final do livro, ao que ele rebate: “O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui.”
Voltando para o começo, na página 5, um dos mais belos trechos dessa obra sempre boa de reler, como quem revisita os lugares por onde passou:
“As cidades e a memória – Diomira
Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!, é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes.”
O cartunista paulista Bruno Liberati, inspirado nessa passagem, ilustrou (acima) e publicou em seu blog em 2011, essa noite de setembro em Diomira.

Nenhum comentário: