Imagine um centauro em pleno século 20, filho de imigrantes russos
judeus no interior do Rio Grande do Sul. Imagine esse ser metade homem,
metade cavalo, culto, inteligente, vivendo, por motivos óbvios, excluído
da sociedade, em um isolamento forçado, até decidir-se por mostrar-se
quem é, o que pode fazer de bem para todos, enfrentando discriminações.
Tento aqui resumir a história de um dos livros que mais me impressionou, comoveu, fez refletir: O centauro no
jardim, de Moacir Scliar, publicado em 1980. Ouso dizer que o realismo
fantástico que conduz a narrativa cativante, me marcou muito mais do
que Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marques. Na obra-prima do
colombiano, enquanto a excêntrica família Buendía da fictícia cidade
Macondo se multiplica pelos tempos, acompanhamos a possibilidade de uma
crônica de vidas anunciadas, em significados plausíveis, com seus
personagens eternamente acesos pela insônia, seus pergaminhos à espera
de tradução etc. Em Centauro, o personagem em sua singularidade,
irreal e quimérico, da pacata família Tartakovsky, vindo da pequena
cidade Quatro Irmãos, que existe, conduz a leitura de uma forma que
conseguimos “aceitar” naturalmente tais elementos absurdos, pela força
que a fábula representa na dualidade da vida em sociedade, pela urgência
de harmonizar individualismo e coletividade. O recurso de Scliar em
colocar seu personagem mitológico em tempo e espaço reais, é o grande
desafio pela profundidade da narrativa provocadora. Não me espantaria se
eu encontrasse, após a leitura, um centauro em algum jardim, rua,
praça...
Pelo tocante de
originalidade da obra, O centauro no jardim é um dos livros mais
traduzidos e publicados no mundo. Ainda não teve uma adaptação para o
cinema, como foram dois romances do escritor gaúcho, Um sonho no caroço
do abacate, nas telas com o título Caminho dos sonhos, dirigido por
Lucas Amberg, em 1998, e Sonhos tropicais, de André Sturm, 2002.
Além do livro, um exemplar de grandeza na literatura brasileira, o seu autor foi uma das pessoas mais maravilhosas que conheci. A ele aplico a máxima de Leonardo Da Vinci, “a simplicidade é o último grau de sofisticação.”
Autor de romances, contos, crônicas, ensaios, e conciliando sua atividade literária com a de médico sanitarista, meu querido Moacir Scliar foi para outros jardins há quatro anos, numa madrugada de 27 de fevereiro.
Além do livro, um exemplar de grandeza na literatura brasileira, o seu autor foi uma das pessoas mais maravilhosas que conheci. A ele aplico a máxima de Leonardo Da Vinci, “a simplicidade é o último grau de sofisticação.”
Autor de romances, contos, crônicas, ensaios, e conciliando sua atividade literária com a de médico sanitarista, meu querido Moacir Scliar foi para outros jardins há quatro anos, numa madrugada de 27 de fevereiro.
2 comentários:
Nirton, por seu comentário, li o livro e, desde então, tenho convivido com os meus centauros - nem sempre em jardins! Obrigada e grande abraço!
Hilda, que alegria ter você como leitora dos meus escritos...e mais ainda pegando as minhas dicas. Fico muito feliz, muito.
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