sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

traços do arquiteto


 Foto: Acervo Fundação Oscar Niemeyer

Na manhã de 6 de dezembro de 2012, a antropóloga carioca Yvonne Maggie seguia em um táxi para o Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro. No rádio, o noticiário repercutia a morte de Oscar Niemeyer no dia anterior.
Entre muitos depoimentos de personalidades sobre a importância do arquiteto, Yvonne se emocionou com o relato de um repórter. Ele estava na fila de uma padaria e ouviu a conversa de uma menina, de sete ou oito anos, com a mãe. A garota disse que se sentia muito triste porque Oscar Niemeyer morreu. E arrematou: “Ele foi um grande escritor que escrevia casas e edifícios”. A mãe, curiosa, perguntou onde ela aprendeu aquilo. “Na escola”, afirmou.
Assim como Yvonne, imaginei que essa menina poderia ser aluna de um Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), criação de Darcy Ribeiro quando foi secretário de Educação no governo Brizola, e desenhado por Niemeyer. E lembrei quando li o livro de memórias do arquiteto, As curvas do tempo, lançado em 1998.
Niemeyer começou os textos no final dos anos 70. Mas tinha dúvidas da qualidade literária. Foi seu grande amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade, historiador, que o incentivou: “Vai escrevendo, Oscar, vai escrevendo. Corrige depois”.
Publicado pela Editora Revan, o livro cativa pela simplicidade narrativa, como estivéssemos numa sala ouvindo o autor contar onde nasceu; sua infância no bairro Laranjeiras; as idiossincrasias dos parentes; a quantidade de escritores que leu; as farras com os amigos; o medo de viajar de avião; o despertar pela arquitetura e a relação afetiva com Le Corbusier; sua militância no partido comunista e amizade com Prestes; seu primeiro projeto individual, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha; os bastidores da construção de Brasília e as longas conversas com Juscelino; a resistência de não se entregar à velhice e o incômodo com a implacável certeza da morte.
O escritor italiano Alberto Moraria dizia que a literatura se engrandece quando se aproxima da linguagem oral, máxima que se aplica ao despojamento da autobiografia de Niemeyer. Sem ter necessariamente uma sequência cronológica nos capítulos, a imagem que faço são folhas de croquis literários espalhadas sobre uma enorme prancheta e o autor pegando uma para ler, depois outra para reler, abaixando-se para pegar uma que caiu com o vento que entrou pelo janelão de seu escritório em Copacabana, onde trabalhou até cinco dias antes de falecer, aos 104 anos.
Para a edição do livro, Niemeyer criou desenhos, colocados no final das páginas, como rodapés na sala ilustrando trechos de uma casa.
Hoje, 116 anos de nascimento do arquiteto que teve seus traços lidos pela menina da fila da padaria.

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