domingo, 10 de dezembro de 2023

corações selvagens

Em 1965 o diretor Fauzi Arap adaptou para o teatro Perto do coração selvagem, romance de estreia de Clarice Lispector, 1943. Mantendo o título do livro, a peça incluiu trechos de A paixão segundo GH e o de contos A Legião Estrangeira, ambos de 1964.
A montagem de Arap é um monólogo a três, marcado necessariamente pelo estilo introspectivo da personagem Joana, do primeiro livro. A origem da história era um amontoado de rascunhos, anotações, folhas com reflexões da protagonista. Foi o escritor Lúcio Cardoso quem sugeriu unir os escritos soltos em um romance, dar uma linearidade àqueles croquis literários. Foi dele também a ideia do título, retirado de uma passagem de Retrato do artista quando jovem, de James Joyce. Cardoso considerava as técnicas e estrutura de Clarice na mesma linha do romancista irlandês, como se não bastasse ela já influenciada pela literatura do autor mineiro, seu amigo, a quem carinhosamente considerava mentor.
A autonomia de Fauzi Arap na adaptação manteve um fio condutor solo narrativo correndo paralelamente entre os personagens, o que é instigante. O diretor declarou em entrevista que seu trabalho foi como o “de um montador de cinema, utilizando vasto material que dispunha” depois de ler os três livros.
Mas a estreia no Teatro Maison de France, São Paulo, não agradou aos críticos. Com exceção do jornalista Fausto Wolff, que elogiou a celebração da dimensão dos textos em formato teatral, outros questionaram a validade do original de Clarice para o tablado, argumentando que em sua obra haveria temáticas menos densas e mais representáveis. “Aquele pensamento autoanalítico e conceitual não funciona no palco”, disse o teatrólogo Yan Michalski, em sintonia com o que o dramaturgo Van Jafa escreveu apontando que o diretor “cometeu uma imprudência ao ler em cena aberta trechos de livros decididamente feitos para serem lidos na intimidade”.
Se Fauzi Arap se incomodou, Clarice não se abalou. Segura, reservada, discreta em sua beleza enigmática, desde quando autorizou a adaptação, acompanhou continuamente os ensaios, trocava ideias com o diretor e elenco, dizia-se satisfeita e representada com a transposição de sua literatura para a narrativa teatral. E ponto.
Neste mês, 80 anos do lançamento do romance. Hoje, 103 anos de nascimento da esfinge que partiu um dia antes de completar 57 dezembros.
Acima, um dos flagrantes de uma série que o fotógrafo Carlos Mockovics fez dos ensaios: Arap, José Wilker, Glauce Rocha, Clarice e Dirce Migliaccio.
Acervo Cedoc/Funarte


 

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