"Quando tiraram os pontos de minha mão operada, por entre os dedos, gritei. Dei gritos de dor, e de cólera, pois a dor parece uma ofensa à nossa integridade física. Mas não fui tola. Aproveitei a dor e dei gritos pelo passado e pelo presente. Até pelo futuro gritei, meu Deus."
Quando foi convidada para uma coluna aos sábados, Clarice sentiu o impacto de desenvolver uma escrita onde seu mundo pessoal e subjetivo seria desvendado aos poucos, ao contrário de seus romances e crônicas em que esse universo é compactuado com o leitor num outro processo de narrativa, em ritos iniciáticos, numa dimensão psíquica individual com o outro.
Numa das primeiras crônicas, de 21 de setembro de 1968, Clarice avisa que "Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna, estou de algum modo me dando a conhecer". E assim, a enigmática escritora que morava no afloramento rochoso do Leme, é igualmente grandiosa na leveza de seus textos ao se espraiar na geografia do cotidiano, com um olhar de cumplicidade afetiva com os personagens flagrados e um humor elegante no recorte dos fatos.
A escritora faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos. Além da coincidência da data, pelo ritual judaico, não pôde ser enterrada no dia seguinte, um sábado. Foi no domingo para o Cemitério Comunal Israelita do Caju, Rio.
Partiu para o futuro com seu grito.
Acima, Clarice fotografada por Bluma Wainer, em Paris,1946.
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